sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

diálogo

- acho melhor a gente terminar tudo.
- como assim?
- terminar isso que tá acontecendo.
- não tá acontecendo nada.
- isso me mata.
- calma, tá tudo bem.
- só se for pra você, pra mim tá péssimo.
- eu não to fazendo nada.
- eu sei, é disso que eu to falando.
- chateada porque eu não to fazendo nada? eu to em paz, meu amor.
- tou sabendo. essa paz falsa me mata.
- falsaaa?
- é sim, falsa. isso não existe de verdade, só nesse mundo virtual que você vive.
- credo, sou só amor pra você.
- não, você só me ignora solenemente e chama isso de amor e paz. é melhor a gente terminar.
- nããão! não fala assim, vai ficar tudo bem. a gente vai se encontrar!!!!!
- não, a gente não vai e eu já entendi essa parte. tchau.
- eu gosto de você, flor!
- eu também, mas isso aqui não serve pra mim. essa conversa nunca tem fim e não acontece nada real.
- eu sou real!
- não pra mim, pra mim restou só uma sombra do que eu vi um dia. e nem essa sombra é real, porque eu vejo cor-de-rosa.
- poxa, não sei o que responder.
- então não responde, assim o diálogo acaba e resolvemos tudo.
- mas...
- ...
- ...
- ...

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

mordida

pedaço mordido não cola mais, vide a maçã
vide meu coração
pode ser ainda um pedaço cuspido
pior que o engolido, o cuspido fica rancoroso
não cola mais, de raiva
rompe as suturas

pedaço mordido e cuspido
pode até ser suicida
não se liga mais
não se prende mais
pedaço solto largado
cheio de história e saliva
fica metido a besta e deixa de ser fragmento

o pedaço
despedaçado
rompe também
com o rompido
se torna um ser
não se gruda
e pulsa

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

paixonites - amores imaginários

às vezes a gente se apaixona por nada
uma vez me apaixonei pela camiseta do che guevara, era vermelha e o che preto
ainda hoje quando vejo uma dessas minhas pernas amolecem
dentro da camiseta ia um belo moreno de barba por fazer que eu acreditava revolucionário
revolucionária era o tipo da paixão
ele era apaixonado pela ex e não me comia
infelizmente não parava de usar a tal camiseta e essa paixão durou uns 3 meses
anos depois eu o reencontrei
guardava uma foto nossa bêbados em nossa primeira festa


teve uma outra que me apaixonei por uns olhos estrábicos e muito verdes
embaixo vinha um corpão e pernas de jogador de futebol
o mais bonitinho é que o gatinho também ficou apaixonado e eu tinha namorado
amor tipo impossível é esse tipo
eu escrevi numa folha de caderno aquela música "foi assim, como ver o mar/ a primeira vez que meus olhos, se viram no seu olhar..."
ele guardou esse papel na carteira por muito tempo depois de eu perder o interesse

já tive muitas paixões por nada destinadas a minguarem logo
vou contar só mais uma
era um gato desses misteriosos, estilo indefinido e mais jovem que eu
piercing no nariz pode ser broxante, mas não nesse caso um tanto skatista
lindo lindo e não parecia tão jovem, meio blazé mas não era possível acusá-lo
uma coisa artística e uma câmera na mão
arredio
logo que nos conhecemos me deu uns amassos e eu fugi
ah sou casada vamos embora e tals - desculpas que dizemos
nunca mais ele esteve ao alcance e durou uns bons meses essa paixão tipo frustrada

teve uma outra também, que nasceu num carnaval e minguou contra minha vontade
mas dessa aí eu não conto mais
não passou

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

eu amo, tu amas, ela ama

não se sabe exatamente em que momento aconteceu, quase nunca se sabe o momento exato nesses casos, porque levou tempo para perceber
esse lapso de tempo foi um lapso
e o tempo vira e mexe vira tema, mesmo quando o tema é outro

tudo continuou normal ou um pouco melhor, exceto uma coisa, por isso não viu logo
ela amou o que melhorou, ela ama muito poucas coisas
ama algumas pessoas (mais do que se espera), ainda assim poucas
amou alguns temas e brigas (mais do que deveria, por causa da gastrite)
viveu durante um tempo um tempo um tem po sem per ce ber

de repente viu que uma partezinha estava morrendo
ou melhor, de repente estava vendo que uma partezinha morrera
a parte zinha já tinha morrido, ou seja, não havia ressurreição
parecia uma parte tão importante, a partezinha, que ela não acreditou que sua morte tinha passado despercebida
mas passou
e não sabia há quanto tempo
o tempo sempre importa como medida do que se foi
(isso foi há tanto tempo, ou há pouco tempo, ou há não sei quanto tempo)
não saber que tempo era aquele, confundiu a importância daquilo que fora
confundiu tudo e não sabia o que fazer diante daquilo
teve medo

medo de nunca mais
medo da falta que não sentiu
de um amor que nunca entendeu
temia ter que sentir aquilo que não sentia mais
e ainda não sabia substituir
não sabia justificar
não sabia o que viria
não sabia o que dizer
ficou com medo de perder as palavras
e se perder nas explicações
teve medo de inventar um modo de repetir as mesmas faltas
teve medo de inventar um modo de não repetir nada
medo de atropelar uma coisinha nova
medo de não saber

foi um lapso e o tempo

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

pré carnaval

vamos rasgar a fantasia e mostrar nosso corpinho nu por aí vamos deixar nossa nudez espantar quem se espanta e felicitar quem se alegra vamos esquecer que as camisas nos forçam espremem desde o berçário vamos ter um momento de frio ou calor suar e tremer sem que nada nos proteja

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

objetividade

quando tudo entra em colapso lágrima soluço ânsia amor
quando há muito o que dizer morder lamber chorar
quando uma pegada na mão no pé no saco não resolve

sei lá porque, eu volto a organizar tudo na cabeça e encontro lógicas e correspondências
surgem palavras e frases inteiras que, de alguma forma, significam algo além das palavras
e um abraço um beijo uma lágrima pra acompanhar
mas um só
um abraço
um beijo
uma lágrima
porque cada palavra, beijo, lágrima, abraço tem toda intensidade

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

elogio

você é um gato espichado e xereta
isso eu vejo nos seus olhos arregalados
não só isso
braços e dedos longos que teimam em agitar o ar, a cada sílaba
a cada palavra reta ou sinuosa
vejo que se espicha pro mundo ao redor
a cabeça que salta do pescoço
pendendo pro abismo de fora
sem medo
sem trégua
com alegria

mundo sonho

construía realidades e universos inteiros
assim como seres que animavam seus espaços imaginados ados
os seres também eram inventados pela sua inconsolável imaginação, tudo tudo udo sonhado
inventava uma língua que todos entendiam porque não podia passar por incompreensível
sonhava que todos entendiam e todos gostariam mesmo de entender, mas mas as
às vezes os sonhos
até mesmo os sonhos sonhados junto são só sonhos onhos
quando são
e ninguém entendia quando dizia que só queria estar ali
ninguém entendia que ela queria entender
mesmo suas construções não podiam entendê-la pois ela nunca havia lhes ensinado lhes
não ensinou o que deviam pensar e fazer
elas fingiam compreensão para não decepcionar sua criadora cria
suas filhinhas e filhinhos inventados fingiam entendê-la
pois sabiam que ela gostaria ria
riam das suas piadas e choravam das suas tristezas
só não entendiam nada
nada

um dia percebeu que não precisava entender seus próprios filhos criaturas nem eles deveriam pois falavam línguas próprias e ainda que conhecessem alguns códigos comuns não eram seres semelhantes ainda que tivessem saído dela de si de mim não eram cópias não conheciam os segredos dos cofres e acreditavam em tantas diversidades quanto vontades e facilidades existissem e mudavam
quase sempre mudavam
às vezes não
por mais que ela quisesse
existiam
e ela os amava

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

uma palavrinha

num pedaço do guardanapo de papel escrevo sobre o pôr do sol
coloco um beijo vermelho pra lembrar que minha boca esteve ali
hesito
beijos
te amo
pra sempre
nada nada disso
falo sobre o pôr do sol e deixo um beijo
espero que ao ler o hai kai se lembre que minha boca esteve ali

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

ele e ela

ela caminhava ao lado dele. nem um, nem outro dava provas explícitas, como olhares e mãos que se tocam. eles não se olhavam e não se aproximavam. era claro que ela pertencia a ele.
ela tem os pézinhos tensos, enfiados em melissas falsas e usa meia calça cor da pele. é crente, tem a saia abaixo dos joelhos e o cabelo preso sem vaidade. ela é dele, apesar de não ter olhado nos olhos dele nenhuma vez. ela pressente o que ele vai desejar e realiza. um observador atento vai perceber que a qualquer respiro dele ela fica atenta. ele deseja coisas que os distraídos não notam, de tão pequenas. mas ela baixa mais e mais os olhos e todos os seus outros sentidos estão plugados nele. a cada respiro ela se apronta para agir. o que ela finge não perceber, com muita dedicação, é que ele não sabe exatamente o que faz. pra ela é indiferente, ela deve segui-lo mesmo quando ele não sabe pra onde vão. de alguma forma, isso a tranquiliza.
ele, por outro lado, deve saber sempre pra onde vai. sabe que ela o segue e não tem direito de perder-se. não quer errar, não quer errar. mas ele não sabe onde estar, onde ficar nesse mundo maluco. quando sai pra rua é um sofrimento abafado, maior porque sempre abafado. mas só vê quem observa tudo isso de bem perto. ele tem a impressão que todos os olhos estão sobre ele, por isso não olha. não vê ninguém e, ainda que não olhe pra ela, só vê a mulher ao seu lado. ele a olha com todos os seu sentidos, sabe reconhecer sua dedicação completa. sabe exatamente em qual nível estão, minuto-a-minuto. ele sabe que nada vai mudar entre eles entre a casa e qualquer destino. e isso é bom.
eles estão juntos e se pertencem, mesmo que nunca se olhem. juntos enfrentam as portas automáticas e escadas que rolam. enfrentam os olhares indiferentes dos que nunca reparam neles.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

VRUM-VRUM

de dentro do meu cafofo eu ouço os sons que vêm de fora
mesmo quando me esforço pra esquecer quem sou e onde estou,
eu ouço - você é uma pessoa só, que se incomoda com o barulho dos carros
os carros aceleram e freiam loucamente como se isso fosse levá-los pra outro lugar
eles continuam ali com os aceleradores em riste e os graves pulsantes do rap, do funk e do samba balançando a minha rotina
mesmo quando eu uso plenamente meu direito de refúgio, garantido pelas 8 horas diárias de trabalhos concretizadas num apartamento minúsculo
mesmo quando eu sinto que estou livre no mundo e que ninguém me alcança mais
mesmo quando eu acredito que todo o esforço será recompensado
mesmo quando eu me iludo loucamente
quando eu finjo que não sou parte daquilo lá fora

os escapamentos malditos
mesmo quando eu elaboro questões fundamentais e verdades nebulosas, eles estão lá
gritando sua fumaça pra cima de mim:
- sai da toca, menina. seu mundo tá aqui

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

não-presença

minha não-presença entra pelos poros de qualquer ser humano poroso que passe por aqui
minha não-presença é, como se diz, muito solicitada ultimamente
todos que me conhecem a desejam logo
acho que posso falar em alívio, é isso que vejo nos olhos e palavras mal pensadas daqueles que,
ao topar com minha não-presença, sorriem de volta agradecidos
não me faço de rogada e digo a todos que assim desejam, que podem contar com minha não-presença sempre
é sério
e, mesmo doendo, eu entendo
eu também adoraria contar com minha não-presença
ainda que fosse apenas nos finais de semana

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

de frente, mas podia ser de qualquer lado

você me quer na sua porta e não considera que eu nunca quis estar onde não era meu lugar/ você gostaria que eu o obrigasse a qualquer coisa que seja e ignora que eu nunca vou te obrigar, ainda que você queira/ você me cobra que brigue contra suas verdades e esquece que as minhas nunca serviram a imposições/ eu não me coloco, eu não te obrigo e não brigo. eu só espero que nos encontremos, nos toquemos e falemos nossas bobagens vivas e mortas (se houver necessidade de palavras)/ a minha única exigência (que não é uma frescura, mas uma necessidade infernal) é que você venha com tudo o que tem, que não te falte nenhum pedaço e que seja íntegro e certo de quem é, mesmo que seja algo confuso
não me exija que eu te exija, quero estar fora desse círculo de exigências fúnebres

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

mais um exercício dramático - hamlet

Talvez vocês não acreditem no que eu vou dizer agora. Eu vi o fantasma do meu pai ontem a noite. Ele se chamava Hamlet e era o rei. Engraçado é que eu fiquei pensando se na verdade o fantasma era eu. Não, eu sou um príncipe apenas. Eu sou o príncipe Hamlet, prazer.
O fantasma do meu pai me contou sobre o seu próprio assassinato e pediu vingança. Eu vingo, eu vingarei, meu pai. Engraçado que eu achei que o fantasma era eu, no escuro até que parecia. Pai, paizinho, é comum isso de os reis serem assassinados, são os ossos do ofício. O trono é uma coisa que só muda de dono com a morte, por isso os reis morrem.
Eu não, ainda não sou rei. Normalmente quem assume o trono é o assassino, não é assim? Normalmente o assassino é da família, não é? Papai, isso é tão comum entre os reis. Quer mesmo essa vingança? afinal o assassino é seu irmão e eu também posso morrer.
Eu mesmo duvido do que vi e ouvi, vingança? Parece absurdo e, num certo momento, eu realmente achei que o fantasma era eu.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

nada a fazer

a fonte seca
a palavra esvazia
o peito suspira uma última
o estômago se revira e na cabeça vêm tantas outras coisas
vem a conta de luz, o livro não lido
vem uma notícia trágica que revela um mal social
vem um aperto de mãos sincero
vem a incontável distância
(em algum momento a distância se tornou intransponível)
vêm as justificativas falsas e os farrapos
de um tecido que um dia teve cor

o leite secou
a saliva e o choro
estômago e olhos revirados são sintomas fatais de morte
lenta
len ta
len ta mente conquistada a duras penas
difíceis de arrancar da pele esturricada
do corpo machucado pelo deserto prolongado

não há mais nada a fazer doutor
o plano de saúde não cobre nem reembolsa
e a paciente não responde aos estímulos
nenhuma reação motora

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

patati patata patotia patata patati
blablabla ble ble ble bliblibli
putamerda porqueporque patati patata
nãopode não bla bla bla
buá buá buá buá buá não pode buáá

ahã, vamos mudar de assunto?

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

pesadelo de amor

por absoluta falta de tempo pra lidar com aquilo, colocou o bebê recém nascido em uma caixinha e guardou ali perto da cama. colocou fraldinha e alimentou o bebê como ele precisava. aconteceu que esqueceu ele ali durante muito tempo, pior que não sabia contar quanto. quando lembrou ficou com medo de olhar e ver o que tinha acontecido. mesmo assim abriu a tampa e viu que ele tinha crescido um pouco. a fralda estava encharcada e ele chorou. de repente lembrou como as crianças precisavam do contato com a mãe pra se desenvolver. ela tinha prejudicado seu bebê, mas era por falta de tempo. ela não queria ele agora, não tinha tempo. mesmo assim pegou ele no colo e viu que tinha um rabo comprido. ele se aninhou e ela se emocionou por ele estar vivo, se mexendo nos seus braços. acariciou o rabinho, as pernas finas e abraçou ele com amor. na verdade sentia amor por ele, com ele no seu colo pôde perceber o quanto. sentiu uma dor muito forte por ter deixado ele lá na caixa, não sabia porque tinha feito isso. achou que seria igual continuar no útero, como se dissesse: agora eu não posso cuidar de você, espera mais alguns meses aí na caixinha. mas o bebê não podia esperar, ele já estava vivo. apesar de tudo, o filho perdoou seu desleixo, mexeu o rabinho e ela viu que ele também amava.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

ofélia

era uma vez uma linda princesa que se chamava ofélia. na verdade ela ainda não era princesa, mas o príncipe era a fim dela. ela era jovem e recatada, enquanto o príncipe era estudado e ousado. a jovem ofélia tinha que se preservar, pois segundo o seu pai, o príncipe só queria comer a sua bacurinha. a futura princesa ofélia lembrava dos presentes e das mãos do esperto príncipe com alegria e corava. torcia as mãozinhas e olhava pra baixo quando o pai lhe perguntava. papai, o príncipe tem demonstrado seus sentimentos com muito respeito e faz juras de amor eterno. sei! dizia o pai da ofélia. filha, você não pode se entregar aos prazeres da carne. o príncipe pode tudo, porque é príncipe. você precisa se guardar e arrumar um marido que te sustente, porque eu não vou durar pra sempre. sim papai, eu sei, eu sei. vou apagar meu fogo e procurar um marido mais sossegado, do meu nível social. e ofélia continuava sonhando e querendo o príncipe, porque todas queriam o príncipe. ela tinha sido escolhida por ele, ele realmente levava presentes e gostava da pele branca dela. como recusar o príncipe? o príncipe podia tudo. era o que ela dizia quando ninguém estava por perto. posso colocar minha mão aqui, ofélia? você é meu príncipe e eu sou sua serva. um dia será meu rei, faça o que quiser por favor.
um belo dia o príncipe deixou de comparecer e ofélia murchou. talvez ele estivesse maluco, era o que se dizia. o príncipe não dizia mais coisa com coisa, mandou ela se casar com outro. pra piorar a situação, o príncipe matou o pai da ofélia sem querer. ele era um príncipe e podia tudo. ofélia ficou sem o pai, sem o príncipe e sem marido. aí começou a falar o que passava pela sua cabeça, usava as roupas que bem entendia e cantava. começaram a dizer que ela também estava louca, um surto de loucuras. ofélia não parecia mais tão pura e usava expressões vulgares. o príncipe podia tudo, a rainha podia tudo e o rei também. mas ofélia não era princesa ainda, ela cantava e colhia flores. passou a ser tolerada como uma débil e frágil moça perdida, uma espécie acidente. por fim, numa reviravolta trágica, a bela e jovem ofélia se afogou no lago. livrou-se de uma vez da culpa, do desejo, da saudade do príncipe e da piedade de todos. a suicida foi sepultada no cemitério mesmo, como se isso fizesse alguma diferença pra sua carne podre. o príncipe, dado a tragédias e paixões de modo geral, pirou com a morte da ofélia. saltou sobre o caixão da menina e duelou com o irmão dela ali mesmo. ele podia tudo.
ofélia só podia morrer ou ir pra um convento, mergulhar foi uma aventura.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

sobre cães, gatos e borboletas

eu gostaria de lembrar agora do barulho que as borboletas fazem quando se encontram no ar e suas asas (sempre batendo) estão próximas. eu até me lembro do som, mas daqui dessa distância não posso ver as suas cores inimagináveis.
eu lembro também da cafungada dos cães quando dormem profundamente, dos espasmos e latidos abafados pelo sono. têm uma carinha atenta de quem corria em outros pastos quando acordam no meio do sonho, igual a mim.
queria ter uma gata manhosa em cima da minha barriga, ronronante e bigoduda. os gatos são pouco indiferentes, ao contrário do que os humanos dizem deles. eles só não aceitam qualquer coisa, eu lembro daquela gata.
lembro dos bons animais, mas mais que isso lembro da moça que pode olhar pra eles e vê-los. que pode lacrimejar diante de um sonho de cachorro e sentir o peso leve do gato sobre a barriga, sem exigir que eles a amem igualmente.
e o que pensar das borboletas tão lindas e rápidas que voam sem rumo definido? difícil mesmo é ignorá-las, assim como fixá-las e saber o seu tamanho exato, as suas cores e os detalhes dos seus recortes rendados. as borboletas são amadas rapidamente e intensamente, porque não é possível pegá-las nas mãos, nem acariciá-las, nem mesmo saber direito o que tinham de tão especial.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

ooops, vomitei

nem foi a cachaça mano
a cachaça foi a melhor parte da coisa acabou ajudando mas nem foi ela a culpada
nem foi
a culpa foi mais sua que foi revirar meus bofes e me encher com suas ladainhas
devia saber que tinha esse cozido lá esperando pra sair
um picadinho à paulista vencido
doido pra saltar fora
aí você me enfia o dedo e outras coisas goela abaixo
eu sei que pareceu uma armadilha
e foi
eu armei essa pra você sem saber muito bem o resultado
sem querer saber
sem saber direito da armação
era necessidade
precisão
baby
odiou essa de baby?
eu sei
baby
não enche meu saco
ainda mais sem cachaça imagina sem cachaça eu não aguento
sem vômito também não dá mais
tudo que for engolido será devolvido
meu estômago revirou-se mas a culpa não foi da cachaça
ela é só uma companhia legal
honesta
a gente sabe o que esperar dela e ela sempre corresponde
baby
ooops

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

umidade zero

meu nariz coça, assim como os olhos e a boca
penso que seja o tempo seco, o ar que estraçalha minhas fossas nasais
o ar, o ar parece tão inocente
o sol é lindo e ontem teve até lua
acordei tão irritada que a culpa só pode ser do ar
tudo está bem, eu estou bem
tomei café, comi torta de limão e fumei um cigarro
mas nada parece tão bem
meus olhos querem se fechar e dormir uns dias
talvez comida japonesa ajude
não sei
talvez eu pudesse conhecer alguém, ou visitar alguém
talvez eu vá até o traficante mais próximo fazer meus pedidos
me manda um baseado, umas armas e um adulto interessante
- tá certo madame, só vô ficá devendo o adulto
então deixa
deixa o adulto pra lá, me manda um pirralho interessante
- posso substituir por alguma arma branca de sua preferência?
meu nariz volta a coçar e não sei porque isso me irrita tanto
sabe, lavar o banheiro me deixaria mais calma
os pés descalços na água fria, no piso frio,
o detergente e o desinfetante
água e banho
mas não posso agora, agora só posso me coçar e beber água
pensei que seria uma boa colocar vodka na garrafa de água, igual aos bêbados no metrô
quem não é bêbado não pensa que é proibido beber no metrô
quem não bebe não pensa em substituir a água por cachaça
eu trocaria agora
e cantaria roberto carlos
eu não posso mais ficar aqui a esperar, que um dia de repente você volte para mim
vejo caminhões e carros apressados a passar por mim
estou sentado a beira de um caminho
que não tem mais fim

ah robert, eu cantaria com você hoje
e tomaria uma
é esse ar seco

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

inspiração à revelia

Por vários dias eu escrevi sobre você, ou a partir de você e da sua voz ou respiração. Quase tudo que eu vi através de você precisou sair de mim e virar palavra, virar inspiração, porque era o que eu tinha pra te oferecer. Parece bonito, e foi, mas você reclamou da minha falta de concretude. Eu achava minhas palavras bastante concretas, você achava pouco.
Aí eu parei de escrever. Engraçado esse movimento de abrir mão da palavra em busca de outra coisa. Minha busca continuou a ser sua respiração, seu olhar, sua voz, mas também suas mãos. Passou a ser cada vez mais seu hálito, boquinha pequena e dedos longos. Esses temas gerariam muitos textos e palavras, mas preferi guardar todas em mim. Uma proximidade de carne e alma fugaz e lá se foi a poesia escrita.
Agora voltei a escrever. Tô aqui, longe do que gostaria de experimentar e guardar na minha pele. Engraçado como meu eu concreto de repente deixou de te interessar. Mais engraçado ainda é a volta da palavra, quase sempre ela vem me salvar da ausência. Então é isso, preferia ficar sem a inspiração poética, mas ela me consola na sua falta. Assim como as promessas (que também um dia fiz) de que logo estaremos perto.
Antes que você pergunte, sim, é um recado pra você. E sim, estou explorando você pra alimentar minha inspiração, de novo. Mas dessa vez preferia me calar.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

consciência de si - 1,99

Entrei na lojinha porque precisava de alguns badulaques. Fiquei olhando o que ela tinha pra oferecer e acabei me decidindo pelos itens mais necessários e só. Peguei um espremedor de alho e procurava um abridor.

- Moço, tem abridor de lata?
- Tem sim, esse aqui ó.
- Hum... tem aquele outro mais simples, menor?
- Deixa eu ver. Não tem não, já acabou. Mas esse é bem melhor, tem o cabo mais longo e é melhor mesmo.
- Tá bom, então. Vou levar esse, é só passar no caixa?
- É.
- Ah, um espremedor de batatas... Se bem que eu não uso muito.
- Esse aqui é ótimo, é de inox.
- Putz, 19 reais é caro pra amassar as batatas - risos.
- Também tem do outro, desse material mais barato - ele disse isso apontando pro meu espremedor de alho.
- Vamos ver - achei que ele tava me provocando.
- É esse aqui, mas eu pessoalmente não uso isso aí não. Na minha casa eu tenho o outro, de inox.
- Ah, é? Eu não vou levar nenhum dos dois. Não me dedico muito aos utensílios domésticos.
- E o espremedor de alho, vai levar esse aí mesmo?
- Vou ver o outro. De inox, né? que você acha melhor.
- É esse aqui, é bem melhor.
- Ah, tem que ser melhor mesmo. Custa cinco vezes mais. Vou levar o mais pobre mesmo, não espremo tanto alho assim.
- A senhora que sabe - ele fez uma carinha de desdém.

Na fila do caixa fiquei pensando porque ele comprava os itens mais caros, supondo que fosse verdade. Não sou nenhuma rica, pelo contrário. Mas ele também não deve ganhar nenhuma fortuna vendendo itens a partir de 1 real. Um espremedor, mesmo vagabundo, dura alguns anos. Assim como o abridor de latas, só comprei outro porque o primeiro ficou com o ex. Ele continuava me olhando de longe, com aquela cara que estampava um pensamento claro: pobre e ignorante em termos de utensílios. Eu pra me defender, pensava que eu sou uma pseudo-intelectual, recepcionista e atriz. Francamente tenho mais o que me preocupar do que o custo-benefício do espremedor de alho. Nem fico em casa tempo suficiente pra usar o abridor de latas. Além do mais, tenho que investir meu dinheirinho que sobra em livros, os quais não terei tempo suficiente pra ler. Mesmo assim, meus livrinhos me confortam, ah confortam sim. Eles me deixaram mais tranquila em relação ao vendedor e humilhador de donas de casa menos favorecidas. Sou pobre, mas tenho conhecimento, ou pelo menos tenho livros que lerei um dia.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

bruxismo

hoje acordei com as bochechas mordidas, de novo
sou eu mesma que mordo e mordo e acordo assim, sentindo que algo ruim aconteceu durante a noite
e acordo com sono, sempre
queria poder dormir um pouco mais
queria não me morder
eu só mordo a minha bochecha, não distribuo minhas mordidas por aí
poderia, mas não
eu reclamo e tal, mas meu humor não é dos piores
e sou feliz
boazinha também
eu deixo as pessoas me culparem pelos mais diversos motivos, quase nunca tenho coragem de dizer: isso é problema seu
acho que não digo isso faz muito tempo
é que prefiro não me intrometer no auto-conhecimento alheio
que se não for auto, não vale
não quero estragar nenhum auto-conhecimento com minhas opiniões
sabe como é, opinião alheia a gente primeiro recusa
e depois xinga
e depois esquece e faz tudo de novo
eu fico quietinha, não quero que ninguém me odeie
não quero odiar ninguém também
eu odeio perder a paciência com as pessoas
com as pessoas que estão perto
que suam e choram perto de mim
eu amo essas pessoas e não quero me intrometer
eu detesto intromissões
prefiro morder minhas bochechinhas, elas se regeneram rapidamente

quarta-feira, 20 de julho de 2011

palavra - nada

às vezes eu fico triste e não quero dizer mais nada
sabe, as palavras não são nada mesmo
nada podem contra a morte
nem contra os assassinatos
os homens dormem tranquilos por terem sido poupados
nem isso, não têm consciência de que foram poupados
nem todos são
nem todos
mas os que foram poupados acreditaram-se parte de uma minoria
uma minoria que quase nunca passa pela terra
que voa sobre as nossas cabecinhas
que nos roubam, mas não são mortos
ganham estátuas nas praças
mas não adianta dizer nenhuma dessas bobagens
as palavras não servem
os conceitos são luxo
o pensamento é restrito
o que vale é a grana
e proteger os patrimônios
a ideia está incompleta, mas não quero mais escrever
escreve aí, quem souber
ou quiser se arriscar
é um risco mínimo

segunda-feira, 11 de julho de 2011

saudosa (já vou avisando)

após uma viagem congelante cheguei à cidade histórica de terra muito vermelha (sei dos meus arroubos e exageros, mas a ênfase vale: terra muito vermelha)
além da terra vermelha, que eu não via na madrugada da chegada, a cidade contava com kilômetros de grama e capim seco. é seco lá, o inverno, seco e ensolarado
lá tem sol o ano inteiro, no inverno o sol é mais amarelo e a luz está em todos os cantos. vale a pena reparar na luz e no sol do inverno
no céu muito azul, as pipas coloridas de rabiolas muito compridas (muito, mesmo) sobem e descem às vezes suaves, outras rasantes. no inverno venta mais e as pipas adoram, sabia?
na cidade histórica (ignorada), as casas são iguais há mil anos. quadradinhas, com suas varandas pequenas e janelas de frente pra rua. tem casas azuis, verdes, brancas e, mais recentemente, salmão e outros tons
muros baixos, fachadas rachadas ou reformadas, calçadas esburacadas ou modernizadas e
enquanto me distraio com os detalhes, me espanto com o horizonte ondulado e amplo (não existem prédios altos)
na pequena cidade, que nunca entrou pra história, tem outros acontecimentos e até crescimentos
mas é preciso fugir pras bordas e procurar com atenção, alerto que não vale a pena procurar pela banalidade do novo
lá o novo é copiado e não lhe cai bem
seus moradores andam em carros novos e velhos, podem facilmente perder os detalhes mais bonitos do lugar de dentro dos seus aquários (e perdem)
recomendo caminhar a pé e sujar um pouco as botas na terra vermelha, aquela terra gruda pra sempre e é o melhor suvenir que a cidadezinha tem pra oferecer

sexta-feira, 8 de julho de 2011

antes

antes de seguir posso te pedir umas coisinhas?
não me chama de amor nem de mor porque é muito genérico e qualquer criança de 13 anos faz isso
não fica segurando minha mão na rua porque acho muito babaca esse negócio de frisar que se trata de uma dupla
não me diz que sente saudade porque as pessoas dizem isso o tempo todo e que é um sentimento brasileiro
não me vem com beijinho na chegada e na saída só porque chegou ou saiu
não me diz que eu não ligo pra você nem que você gosta mais de mim que eu de você nem nada
não me apresenta sua família nem seu cachorro no jantar
não diz nada, não pensa nada

me beija na hora da vontade e só não quero explicar o resto
eu não sei o resto
eu não quero saber
eu prefiro deixar
eu prefiro ir indo
dá pra ser?

quinta-feira, 7 de julho de 2011

bobagem e homenagem

minha cidade tem palmeiras nos jardins chiques e no anhangabaú
eu já não sei se tem acento no u da oxítona
parece que com a idade a memória vai embora ou algumas coisas perdem a importância
na minha cidade as maritacas gritam sobre as cabeças em vôos incríveis (como acreditar em sua existência?)
as garoas são geladas e previsíveis
as baladas são quentes e custam-me o olho da cara

terça-feira, 5 de julho de 2011

Eu vos declaro

ouso agora perguntar quem foi que inventou que o amor maior acontece entre um homem e uma mulher unidos no matrimônio
ouse responder: quem você ama mais?
acho engraçadinho pensar que é possível medir os amores assim, como se viessem em centímetros
amo tanto
amo tantos
muitos mais que os homens que se uniram a mim em caráter de exclusividade, ainda que os amasse muito

ouso perguntar agora quem inventou que o objetivo de uma vida é encontrar um amor
um amor!
um?
e os pobrezinhos que não encontraram esse amor único?
fracassados, infelizes e
amamos tanto
amamos tantos
e esse porra desse amor eterno e único, o que é?

esta história, contada há muito tempo, serve muitíssimo bem aos autores de novelas, aos padres, aos cartórios, aos buffets e às bandas de baile
serve bem ao estado, à ordem e ao progresso
serve bem aos empregadores, aos empregados
e à polícia

é tão bom que os autores de novelas não precisem inventar novas tramas
que os casamentos celebrados pelos padres e cartórios tenham sentido
e se realizem catarticamente nos buffets cheios de crisântemos e bandas ruins
que o estado encontre no núcleo familiar os responsáveis pelos indivíduos
que a ordem seja mantida, que roupa suja se lave em casa
que os trabalhadores não tenham outra distração além de um sexo noturno e preciso
que a polícia possa deter os atentadores ao pudor, os libertinos, os felizes
etc, etc?

é bom, sim
é bom
difícil é vagar, é não saber pra onde voltar no final de um dia de trabalho
se distrair com uns olhos baixos e uma cintura fina
tomar uns bons drinks e não conseguir pagar a conta
e nem dormir antes de voltar ao trabalho no dia seguinte
é difícil se perder por aí
se distrair com uma palavra
com um cheiro
com uma esperança

quinta-feira, 30 de junho de 2011

compartimentos (in)adequados

acho que é o momento de sair do armário.
choque.como assim? você esteve dentro de um armário, desde quando?
não sei, me disseram que eu tava saindo.
e você acredita que tava num lugar assim?
acho que estive sempre em lugares indefinidos, instáveis.
um armário me parece bem estável.
é, armário é aquilo lá sempre, a mesma ideia. mas to saindo de onde então?
talvez de uma prateleira onde tava temporariamente encostada.
eu tava encostada?
ah, tava sim, isso tava.
mas foi temporário, não foi?
foi.
na verdade eu tava procurando um jeitinho de me jogar da estante.
eu sei, eu te conheço.

terça-feira, 28 de junho de 2011

vista de pontos

às vezes dentro me parece bom, ainda que sempre pense fora sempre fora
de repente percebo que fora é mesmo melhor, muito muito melhor
de fora pra dentro, olho e não quero mais estar dentro/fora/dentro/fora
por outro lado, sempre fora parece utopia minha: menina sempre utópica
de cima, vejo um fora amplo demais pra minha pequena subjetividade infinita
do lado de baixo, parece que dentro é grande o suficiente pra minha objetiva

às vezes tenho ímpetos inventivos rebeldes aqui fora/dentro e vontade de inventar uma línguafalada ampla ampla fala sem vírgulas pontos e sinais conhecidos sinto uma mmmrrrgagaga umamamania destrutiva de contruirir espaços fluídoss foraentredentro em todos os meus cantos canto lalalaaa uma melodia melosa que não me lembro lá lálá lere larí larí daqui de cimadentroforabaixoentres sopro um oi um ah um eh um shhh shiu

quarta-feira, 22 de junho de 2011

da série "ridículas"

hoje foi assim, me ajoelhei e chorei porque devia porque sim
eu nem queria foi algo assim, saiu aos jatos e molhou o guarda pó
pedi perdão ajoelhei e chorei
porque não parava não parava não

perdão pela água e pelo guarda pó, perdão
desculpas eternas pelas ausências precisadas e pelos apelos emocionais
não é meu hábito, veja bem
implorar assim perdão

mas é que to sem nada e sem nada a gente pede

sexta-feira, 17 de junho de 2011

sem lenço

eu até gostaria de escrever de alguma profundeza hoje, sabe que tenho essa mania velha de profundidades
gostaria de abordar as filosofias do amor e do desamor, dos hábitos e outras construções humanas
mas esse negócio de ser humano que ama e constrói relações duradouras
me parece estranho hoje
talvez seja a sexta-feira, talvez seja o vazio que está
me jogo então nas construções jovens que parecem feitas para serem extintas
falo em 140 caracteres as maiores graças, compartilho momentos de mínima e máxima intimidade face to face
to procurando um espaço onde eu seja possível, uma página onde possa imprimir meus suspiros e afagos instáveis
to cuspindo umas bobagens que ficaram guardadas devido às grandes responsabilidades
to curtindo essa saliva grossa e arroxeada que sai em jatos
e os espasmos quase sempre controlados
que eu não sei como serão
na próxima
tentativa

sexta-feira, 10 de junho de 2011

palavras pequenas

se um dia você tivesse lido ou ouvido algumas das minhas palavras
(essas palavrinhas mal selecionadas e agrupadas, daqui mesmo)
ou quaisquer das minhas palavras mal colocadas e confusas espalhadas por aí
as palavrinhas saídas da minha boquinha hesitante
se um dia você tivesse tentado entender o que eu murmurava, em evasivas talvez
talvez
talvez você tivesse evitado usar frases gastas
porque eu não ouço o vazio
eu entendo a bagunça toda de uma frase mal formulada eu gosto da falta de clareza e rebuscamento emocional gosto até da histeria informativa eu amo as bobagens ditas e re-ditas
mas eu não suporto não me interesso e não ouço frases gastas e isso
essa tragédia eu não aceito
você não se dar ao trabalho de pensar alguma palavra pra me dizer

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Psicofísica

Um dia me disseram que as ações eram psicofísicas, ou seja, cada ação humana tinha uma dimensão psicológica e não apenas uma dimensão física. Nesse mesmo caminho, descobri que as ações físicas quando executadas com dedicação e atenção apontam para os nossos sentimentos, sendo assim, é possível trazer os sentimentos das ações apenas executando-as fisicamente. O mais interessante dessas descobertas foi conhecer minha capacidade de observação de mim mesma. Neste universo de ações externas e internas, cada acontecimento tem importância e impacto sobre as nossas ações psicofísicas. Cada acontecimento altera nossa relação com as ações. Elas podem ser explícitas, mas raramente o são. Quase sempre, neste universo, as ações possuem um subtexto. Quase sempre as ações físicas vêm recheadas de sentimentos que, como tais, são internos e lá dentro devem ficar. No entanto, esse sentimento sempre vaza um pouco, já foi dito que nossas ações estão preenchidas de sentimentos. Esse sentimento vaza e dá qualidades únicas às ações. A questão pode ser resumida assim: você pode escolher as suas ações e deve fazê-lo de modo que suas próprias ações te encaminhem para determinado estado de sentimento, ou emoção. Seria muito mais difícil escolher os sentimentos que levariam a determinadas ações. Mas veja bem, o início do caminho é uma coisa, o restante do caminho é só dúvida e amor. O início parece fácil, no entanto, não devemos esquecer que o caminho é longo e indefinido. O caminho será criado por quem escolhe e executa as ações e, só é possível construir um caminho interessante se ele não for 100% conhecido. Ou seja, as ações nunca devem ser repetidas e cabe ao ator criá-las, usar toda a sua energia criadora nesta tarefa. Ações que se repetem são chamadas de clichês.

CORTA

AGORA FAZ O SEGUINTE: VOCÊ VEM ANDANDO E VÊ ESSE CARA. ELE É LINDO E TAMBÉM OLHA PRA VOCÊ. AÍ VOCÊ FICA TÍMIDA E OLHA PRO CHÃO. VOCÊ TOMA CORAGEM E OLHA PRA ELE, SORRISÃO. ELE SORRI DE VOLTA.

AGORA IMAGINA QUE AQUI TEM UM ESPELHO. VOCÊ TÁ NO SEU MOMENTO, SOZINHA. VOCÊ SE OLHA, MEXE NO CABELO, SE SOLTA PORQUE NÃO TEM NINGUÉM OLHANDO. ISSO, BEM CHARMOSA E DIVERTIDA, PODEROSA.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

fetiche

depois de abrir o meu coração ainda pulsando ela me disse que era ficção e quis algo real
abri com um bisturi improvisado minha paleta de cores frias e quentes
ela achou demasiado estético e com isso quis dizer falso
falsa eu em todas minhas cores e movimentos?
é o que eu tenho de mais verdadeiro pra te dar
e isso explica inclusive a minha fixação pelo seu pescoço serpenteante quando está assim de costas

segunda-feira, 16 de maio de 2011

picadinho à paulista

então eu vi diversas partes de mim flutuando no melhor espírito sangrento da coisa
nenhuma das partes me pertencia mais, ou melhor, nunca haviam
mas não reclamei nem reclamo, pois a faca era minha e nas minhas mãos estava
especificamente na mão esquerda, aquela que nunca se abre ou se fecha, apenas agarra para sempre as facas e fere
fere e feriu-me diversas vezes até que as desmembradas partes se aninharam em casas alheias
eu vi diversas minhas partes flutuando para outros lugares e não consegui agarrá-las
nem mesmo o gancho sempre preso à mão direita
nem mesmo a platéia acusadora
ninguém foi capaz de recuperar minhas partezinhas, picadinhas em mil pedacinhos doídos

segunda-feira, 9 de maio de 2011

por não saber

por não saber o que dizer comecei a usar frases prontas
a primeira palavra foi obrigada, a seguir muito obrigada
me sinto obrigada, obrigada
muito mesmo
esgotadas as obrigações e continuando o tema, ainda não sabia as respostas
e lancei um deus te ouça
funcionou tão bem que usei o dia todo
ah, deus te ouça
obrigada

cheguei a experimentar outras alternativas
olha, eu acho que você está enganado
de acordo com a minha experiência, essas expectativas não se mostram consistentes
posso dar alguns exemplos: (...)
os olhos desentendidos, a boca semiaberta

sem saber o que dizer lancei: mas muito obrigada, mesmo
deus te ouça
há de ouvir
vai sim, dar tudo certo
tem que ter fé
eu tenho

e voltamos a nos entender, eu e o mundo

sexta-feira, 29 de abril de 2011

pronto, falei

não falamos de nós, falamos de outros imaginários
tratamos de teorias e outras fofocas
falamos do geral
do mundo
o sujo falando do rasgado
o fedido do mal lavado
mas em nossa casa tudo vai bem, obrigada
não tocamos em temas polêmicos, pois gostamos da boa convivência e somos seres civilizados, não é?
nos amamos e respeitamos
amém
boa noite
qualquer coisa liga
beijo amor
tchau, beijo
tchau, tchau

quarta-feira, 27 de abril de 2011

pai nosso

meu deus, apelo ao senhor pois nada mais me resta a fazer já tentei de todas as formas mas não consigo fazer isso sozinha a minha última esperança é encontrar em ti uma solução pra esse meu problema de falar demais e pensar muito pensar e falar em voz alta e ainda querer convencer os interlocutores as vezes apenas irritá-los como estou fazendo neste exato momento incontrolavelmente eu até gostaria de continuar sendo quem eu sou mas sei que canso os pobres que têm que passar seus dias perto de mim e canso até a mim mesma porque mesmo quando eu não falo eu penso e minha vozinha fica enchendo a minha cabeça com mais pensamentos terríveis de catástrofes existenciais e sociais não quero me meter em cumbucas alheias mas afinal pra que serve essa vida que o senhor mesmo me deu se não é pra pensar e agir nesse mundinho de loucos? eu te pergunto

meu deus, apelo ao senhor pois como provei acima sou incontrolável e nem eu mesma estou me aguentando mais e com certeza o senhor não aguenta mais me ver daí de cima me esfolando com os outros seres que considero estúpidos e sei que são seus filhos também me perdoe por tanta pretensão o tempo urge a sanidade me abandona ainda bem que não existem mais hospícios isso penso eu pois meu marido deve achar falta mas voltando ao tema eu preciso que os outros entendam que somos seres iguais inclusive perante deus e as leis e como tais estamos inevitavelmente atados uns aos outros alguns exploram os outros explorados e achamos normal alguém limpar nossa bunda daqui a pouco pra não sujarmos nosso anel de brilhantes, o senhor limpa a própria bunda?

ai meu deus, eu sei que esse não é bem seu departamento mas não sei mais a quem recorrer meus mestres só me deixam mais louca e preciso de um relaxante que só o senhor possui a chave daquela letargia boa de quem se vê com a tranquilidade dos justos e nem pensa nas justiças que estão por aí que são tão diversas quanto os elos de uma corrente ferrada que nos ata uns aos outros inevitavelmente e infernalmente enquanto achamos que somos seres únicos e perfeitos perante o senhor eu não sei mais do que estou falando desculpe por tomar seu tempo espero que possa me ajudar em alguma coisa, o sr marx por acaso está por perto?

terça-feira, 19 de abril de 2011

a flor e a bruta

é uma pétala lilás, desbotada (cuidado: frágil)
e cheiro de noite no mato com uma chuvinha fina, que quase ninguém percebe
não se ouve os passos
não se ouve a voz
quase se ouve a palpitação
do jardim
das formigas que andam pelos seus caminhos
e do seu coração

- coração, vou te dar um jardim só seu
de modo que você aproveite a sombra das arvorezinhas
e borboletas, tenho certeza que vai gostar das borboletas
quer?

(mas tenho medo das borboletas grandes e feias... só as pequeninas delicadinhas que não voam em minha direção)

falou assim mesmo, entre parênteses, e quase se ouviu o ar entrar em seus pulmões

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Quase especial

Numa certa tarde, há quase 30 anos ela nasceu. Nove meses antes, numa certa tarde ela foi concebida. Em qualquer outro momento, outro espermatozóide teria fecundado aquele óvulo. Em qualquer outro momento, ela deixaria de existir. Se tivesse sido em qualquer outro momento, outro ser teria tomado o seu lugar. Por isso, se achou especial. Não apenas se achou, como todos acharam. Era praticamente unânime, ela era única, especial.
Sendo assim tão rara, sentiu-se estranha nos primeiros anos de escola. Buscou desde o início entender em quê ela era diferente e especial ali. Era boa aluna, a melhor da sua sala. Era obediente, sempre fora e essa era uma das suas qualidades mais especiais. Era agradável com todos que se aproximavam e tímida.
No meio do caminho na escola, entre o 1º e 12º ano da sua formação básica, coisas estranhas aconteceram. De repente, não se lembrava bem quando, não se sentia mais especial. De repente o menino mais bonito da sala não gostava mais dela, não escrevia cartinhas, nem pensava no futuro dos dois. Não bastava mais ser especial, era preciso tirar a calcinha.
Foi mais ou menos por aí que a escola acabou. Não sabia mais se era especial. Os meninos trocavam-na pelas oferecidas. Não tinha compromissos, tarefas a cumprir, notas altas a exibir. Refugiou-se em casa, onde nunca deixou de ser especial e única. Sua mãe contava a história do seu nascimento, da concepção, dos espermatozóides, do óvulo e ela lembrava que era única, especial.
Finalmente achou que devia dar o que os rapazes esperavam e deu. Achou que era óbvio seguir os estudos e prestou vestibular. Achou que a faculdade de arte era o melhor lugar para mostrar seus atributos. Voltaria a ser especial, sem dúvida. A faculdade era mais difícil do que esperava, mas ainda era possível se destacar aqui e ali. Havia muitas opções de rapazes para dar, era bonita e encontrou seu lugar ao sol.Apesar de estar tudo bem, começou a perceber que o mundo era maior do que imaginava. A todo momento tinha que tentar reencontrar um lugar para ser especial e única. Na faculdade as coisas foram ficando difíceis, na verdade nem todos gostavam dela. Na verdade, eram artistas esnobes, pessoas que se achavam superiores. Essas pessoas riam dela, deviam dizer como ela era bonita, inteligente, talentosa, mas riam.
Percebeu que o mundo era muito maior do que imaginava e quis encontrar um outro lugar para si. Percebeu que ali não seria feliz o suficiente, havia muitos artistas medíocres como ela. Melhor mudar de profissão.
Mudou, porque era fácil para ela escolher. Ela havia se dedicado o suficiente, era especial o suficiente para escolher uma profissão. Resolveu que economia era uma ótima opção, podia ganhar dinheiro mais facilmente com a economia. Se fosse artista, seria pobre. Pobre não é particularmente especial, isso ela já sabia. Pobre só é especial se conseguir ficar rico, isso ela sempre soube. Economia, então.
Foi para a economia e o resto é história. A economia não era assim grande coisa, ela não gostava, mas na faculdade conheceu um cara. O cara. Ele a fazia se sentir especial. Só pensava nela, ligava pra ela 15 vezes por dia só para dizer "te amo". Nunca tinha se sentido tão especial, nem mesmo em casa. Nem mesmo a sua família lhe dedicava tanto tempo quanto Ele. Ele comprou uma aliança que foi sua primeira jóia. Daí até o casamento e os dois filhos foi um pulo. Um pulo com toda a responsabilidade, toda a seriedade que exigia a formação de uma nova família. Todos os preparativos adequados para a fecundação de um novo óvulo, desta vez seu. Todo o ritual necessário para a ejaculação dos milhares de espermatozóides especiais.
E foi assim que aquela menina tão única quanto todas as outras pôde ser tão feliz quanto todas as outras meninas como ela, especiais.

terça-feira, 22 de março de 2011

Quase visível

Naquele dia ela foi embora mais triste. Naquele dia ela fez 32 cafés, lavou 23 pratos, incontáveis copos e xícaras e 5 banheiros. Tirou o lixo de 87 lixeiras, aspirou o carpete e regou as plantas. Aquele dia foi muito bom, ela ganhou 104 sorrisos e dois abraços. Foi embora mais triste.
Naquela noite (fria) ela pegou dois ônibus e uma lotação e levou 2 horas e meia pra chegar em casa. A casa estava vazia, assim como de manhã, intacta. Colocou uma água pra esquentar enquanto tomava banho e fez um chá. Camomila dizem que acalma, com erva cidreira é batata.
Tomou seu chá e deitou na cama arrumada. O dia tinha sido realmente bom.
Sonhou que os sorrisos eram grátis e os abraços fartos.

segunda-feira, 21 de março de 2011

poesia grátis AQUI

Você nunca pagou para ler
nunca pagou pela minha poesia
Você nunca pagou pra ver o que eu dizia e eu disse
tudo, ou quase tudo, sobre amores e amoras, homens e mulheres, gatos e cães
Falei das dicotomias e das sintonias, eu e você
Mas você não viu
meus olhos secos diante da tela, não paga
esse puro prazer de escrever poesia pra você não é pra mim, não paga

Você nunca me pagou uma cerveja, nem uma cachaça
nunca viu uma linha, um verso, uma palavra inventada
eu inventei pra você, me paga um beijo, um queijo quente, um misto,
um beijo, um amor, me ama, me ama

Eu escrevo esta e outras poesias gratuitamente e ninguém pagará nada, nunca, para ler minhas poesias inéditas. Nem você minha musa, meu muso, meu tudo
Me paga um x-tudo e fica tudo certo, vai?

quarta-feira, 9 de março de 2011

Cinzas

A quarta-feira chegou e digam o que quiserem, o carnaval acaba aqui. Esquece que eu te vi linda sob uma garoa, que suamos e sorrimos cúmplices. Esquece que nos perdemos de nossos pares e conseguimos sorrir livremente.
Esquece que pulamos lado a lado e nos perdemos entre centenas de pessoas. Esquece que nos achamos entre milhares, mãos dadas, braços soltos. Essas cinzas são de esquecimento, esquece que houve um momento de beleza e alegria estranha. Esquece que dormi lembrando dos seus olhos molhados de chuva.
Eu vou esquecer sua delicadeza e sua fúria. Vou esquecer que você me olhava como quem não esquece, vou esquecer toda sua exigência. Passou.
O carnaval acabou e me perdoe, mas não aguento lembrar do que passou. Passou, passou. As cinzas são o que não podemos reacender, passou.
Digam o que quiserem, o carnaval acaba aqui.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Bela miséria

Desde bebê eu aprendi a sorrir nas fotos. Na minha infância sair com cara feia na foto era fatal, porque você só saberia disso no momento da revelação. Eu tenho uma foto com os primos na qual estou com o nariz vermelho de tanto chorar. Um cabelo espetado na fotografia jamais seria reparado e você ficaria eternizada como a pessoa mais descabelada da foto. Fotografia era coisa séria, devia ser bem preparada, planejada em detalhes ou poderia ser um desastre.Os hábitos adquiridos nessa prática fotográfica arcaica estão sempre comigo e assim eu aprendi a tentar ficar bem nas fotos. Claro que não funciona muito, acabo ficando com aquele bico de chupar pau ou com a cara torta. No entanto, o futuro chegou, a tecnologia mudou e hoje podemos deletar todas as fotos que nos deprimem, não é?

Não, nem todas as fotos podem ser deletadas.
Aqui na metrópole muitas pessoas possuem câmeras, muitas mesmo. É possível ver grupos grandes passeando pelo centro, fotografando a paisagem, a arquitetura, os artistas, as pessoas.
Hoje, quando eu vinha pro trabalho, encontrei um desses fotógrafos na rua da consolação. Do meio da pista ele fotografava um homem miserável, que estava em frente a uma agência do itaú. O homem posava. O fotógrafo agachou, levantou, girou a câmera, diversos cliques e eu de queixo caído com a cena. Enquanto o sinal não abria, fiquei olhando aquele fotógrafo loiro, um pouco careca, vestindo aquela roupa cáqui de fotógrafo de safári.
Ele atravessou a rua e falou com o homem miserável que, por sua vez, era preto, estava sujo, vestindo preto e com um capuz quase escondendo seu rosto. O fotógrafo deu alguma coisa para o miserável que tanto podia ser dinheiro quanto cigarros. O fotógrafo seguiu seu caminho e o homem miserável também. Eu também.

Não consegui esquecer que o modelo posava para o fotógrafo loirinho. Ele levantou os braços, cenicamente exibindo seus andrajos. O loirinho clicou e clicou e clicou. E pagou alguma coisa por isso. Não deu um aperto de mão, não. Certamente agradeceu, porque a gente agradece por tudo, não é? Mas também pagou algo pelas fotos, que pode ser dinheiro ou cigarros.
Eu segui meu caminho com uma vontade danada de parar o fotógrafo e perguntar: porquê? E perguntar até quando ele guardaria a fotografia, se ele ia deletar ou se ele lembrava de como as fotografias eram sérias antigamente. Mas eu não falei nada, não queria chegar atrasada no trabalho.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

só um cisco

hoje olhei pela janela do ônibus para a comprida avenida, vi as ruas que cruzavam, as casas, os prédios, bares e pessoas andando rápidas.
não sei porque pensei na terra, na imensurável bola. vi seus continentes e oceanos infinitos. lembrei que ela não é uma mapinha plano, numa página. ela tem um volume impossível de imaginar, um centro quentíssimo e
percebi como as grandes obras, todo o concreto, asfalto e nossos prédios compridos são pequenos. pequenininhos.
e nós somos umas formiguinhas, construindo as trilhas de concreto, asfalto e imensas cidades pequenas. imensas casquinhas sobre o solo. apenas uma chuva (água caindo)
só uma chuva, qualquer chuva arrasta esses pequenos seres humanos, abre buracos e crateras nas suas avenidas.
eu me enganei nos últimos 31 anos, achando que eu era grande.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

#FrasesDeClarice 2

Escuta essa, Clarice. Ontem eu vinha andando pela rua, acendendo um cigarro. Duas travestis, que estavam sentadas na porta dos fundos do kilt, me pediram cigarro. Eu tirei um cigarro pra cada, ofereci fogo, etc. Uma delas ficou realmente agradecida.

- Nossa, obrigada. Um cigarro pra cada uma...
- Imagina... - eu tinha acabado de comprar um maço.
- Deixa eu ver seu rosto. Nossa como você é linda!
- Obrigada.
- É sério, você é linda mesmo. Posso te dar um beijo, assim... no rosto?
- Claro.
- Não acredito! - e me beijou, um de cada lado.
- Vou indo nessa, tchau!
- Tchau, prazer.
- O prazer foi meu.

Aí fiquei pensando, elas estavam realmente sujas. Fiquei pensando, o prazer foi meu. Pensei em quantos beijos ganhei no rosto naquele dia, nem sei quantos. Eu ganho muitos beijos no rosto diariamente e grande parte não quer dizer nada. Ninguém me pede autorização, posso te dar um beijo? Não me lembro de nenhum outro beijo nessa semana, só desse. Ficou meia marquinha de batom com sujeira na minha bochecha. Chegando em casa eu tive que me lavar e, mesmo sem querer, pensei em conferir se o celular continuava na bolsa. A situação pareceu surreal. Que você achou dessa?

- Eu quero olhar para o lado e estar cercado só de quem me interessa.
- Fiquei justamente em dúvida sobre isso, o que nos interessa? quem?
- Finjo que alguém está me dando a mão e então vou, vou para a enorme ausência de forma que é o sono.
- Hãã.
- Quando me entrego, me atiro. Mas quando recuo, não volto mais.
- Clarice, você tá chapada?
- Eu grito: eu sinto, eu sofro, eu me alegro, eu me comovo. Só o meu enigma me interessa.
- Ok, Clarice. Beijotchau.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

#FrasesDeClarice

Não sei o que houve mas não amo mais Clarice. Eu achava que cada frase de Clarice era uma surpresa, uma vírgula na vida. Agora vejo suas frases se proliferarem e não me dizem mais nada. Nem sei se as suas frases são mesmo suas, algumas não são.
Acho que os olhos de Clarice envelheceram, ou suas visões se perderam na indelicadeza dos meus dias. Suas perguntas não me inquietam mais, ou eu fiquei velho para as perguntas. Ah, Clarice não te amo mais. Juro que queria ainda te amar, queria mas não dá mais. Você não tem mais nada que me espante.

Ontem, olhando da janela vi um rapaz sendo assaltado. Ele trazia uma pizza e um guaraná. Não levaram a pizza, a fome era outra. Ele correu sem convicção com a pizza na mão. O guaraná na outra. Foi até a esquina olhou o ladrão e voltou. Voltou para o prédio onde mora, pareceu que enxugava os olhos. Balançava a cabeça.

- O que você pensa Clarice?
- Muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para frente.
- Não entendi.
- Eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimentos.
- Ele foi assaltado com a pizza na mão.
- Uma pessoa livre, realmente livre, é aquela que não tem medo do ridículo.
- É, ele se sentiu ridículo correndo com a pizza.
- Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam.
- Esquece Clarice. Tchau.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Paris é...

Ainda não me acostumei com a sua ida a Paris. Nem tanto pela inveja, nem pelo sonho que sempre foi Paris para nós mortais pobres. Porque é muito diferente IR para Paris e passear em Paris todas as férias. Para nós tem cara de sonho, ou tinha.

Paris é uma festa, dizem.
Espero que seja uma festa mesmo, você vai aproveitar bastante. Só não sei como vai sobreviver à festa sem a gente. Quem vai controlar sua bebida, seu fumo, sua alegria? Ok, finalmente sem controle...
Pelo menos volte escritor, não volte antes disso. Não me venha com desculpas. Não me venha com a falta de tempo e o excesso de trabalho. Não vá até Paris pra trabalhar, não vá.
Aproveite nossa ausência e esqueça que é um rapaz maduro desde o nascimento.
Paris é uma puta, dizem, e acho que até você pode curtir uma putona. Não vá até lá pra comer camembert e tomar vinho na taça.
Use boina, cachecol ou gola rolê. Se colocar tudo junto me manda uma foto.

Ainda não me acostumei com essa ida a Paris.
Essa ida repentina me coloca diversos problemas que não sei como resolver.
Como suportar as tarde chuvosas de verão? Aposto que em Paris não chove todo dia.
Quem vai me socorrer no caso de mais uma separação?
Com quem vou conversar academices? E as reflexões filosóficas?
E pior: o que vou fazer com a minha já conhecida mediocridade? Ela ficou em evidência e isso é difícil perdoar.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

eu, eu e eu

Hoje olhei pra minha cara e não me reconheci. Isso já aconteceu antes, mas faz tempo. Não conheço essa menina com cara de bolacha, sorrindo. Ela abraça as pessoas e sorri. Ela parece simples e feliz. Não conheço, não. Balanço minha cabeça pesada e tento, em vão, lembrar. Que eu me lembre... não consigo abrir mão de um aposto entre vírgulas.