quarta-feira, 20 de julho de 2011

palavra - nada

às vezes eu fico triste e não quero dizer mais nada
sabe, as palavras não são nada mesmo
nada podem contra a morte
nem contra os assassinatos
os homens dormem tranquilos por terem sido poupados
nem isso, não têm consciência de que foram poupados
nem todos são
nem todos
mas os que foram poupados acreditaram-se parte de uma minoria
uma minoria que quase nunca passa pela terra
que voa sobre as nossas cabecinhas
que nos roubam, mas não são mortos
ganham estátuas nas praças
mas não adianta dizer nenhuma dessas bobagens
as palavras não servem
os conceitos são luxo
o pensamento é restrito
o que vale é a grana
e proteger os patrimônios
a ideia está incompleta, mas não quero mais escrever
escreve aí, quem souber
ou quiser se arriscar
é um risco mínimo

segunda-feira, 11 de julho de 2011

saudosa (já vou avisando)

após uma viagem congelante cheguei à cidade histórica de terra muito vermelha (sei dos meus arroubos e exageros, mas a ênfase vale: terra muito vermelha)
além da terra vermelha, que eu não via na madrugada da chegada, a cidade contava com kilômetros de grama e capim seco. é seco lá, o inverno, seco e ensolarado
lá tem sol o ano inteiro, no inverno o sol é mais amarelo e a luz está em todos os cantos. vale a pena reparar na luz e no sol do inverno
no céu muito azul, as pipas coloridas de rabiolas muito compridas (muito, mesmo) sobem e descem às vezes suaves, outras rasantes. no inverno venta mais e as pipas adoram, sabia?
na cidade histórica (ignorada), as casas são iguais há mil anos. quadradinhas, com suas varandas pequenas e janelas de frente pra rua. tem casas azuis, verdes, brancas e, mais recentemente, salmão e outros tons
muros baixos, fachadas rachadas ou reformadas, calçadas esburacadas ou modernizadas e
enquanto me distraio com os detalhes, me espanto com o horizonte ondulado e amplo (não existem prédios altos)
na pequena cidade, que nunca entrou pra história, tem outros acontecimentos e até crescimentos
mas é preciso fugir pras bordas e procurar com atenção, alerto que não vale a pena procurar pela banalidade do novo
lá o novo é copiado e não lhe cai bem
seus moradores andam em carros novos e velhos, podem facilmente perder os detalhes mais bonitos do lugar de dentro dos seus aquários (e perdem)
recomendo caminhar a pé e sujar um pouco as botas na terra vermelha, aquela terra gruda pra sempre e é o melhor suvenir que a cidadezinha tem pra oferecer

sexta-feira, 8 de julho de 2011

antes

antes de seguir posso te pedir umas coisinhas?
não me chama de amor nem de mor porque é muito genérico e qualquer criança de 13 anos faz isso
não fica segurando minha mão na rua porque acho muito babaca esse negócio de frisar que se trata de uma dupla
não me diz que sente saudade porque as pessoas dizem isso o tempo todo e que é um sentimento brasileiro
não me vem com beijinho na chegada e na saída só porque chegou ou saiu
não me diz que eu não ligo pra você nem que você gosta mais de mim que eu de você nem nada
não me apresenta sua família nem seu cachorro no jantar
não diz nada, não pensa nada

me beija na hora da vontade e só não quero explicar o resto
eu não sei o resto
eu não quero saber
eu prefiro deixar
eu prefiro ir indo
dá pra ser?

quinta-feira, 7 de julho de 2011

bobagem e homenagem

minha cidade tem palmeiras nos jardins chiques e no anhangabaú
eu já não sei se tem acento no u da oxítona
parece que com a idade a memória vai embora ou algumas coisas perdem a importância
na minha cidade as maritacas gritam sobre as cabeças em vôos incríveis (como acreditar em sua existência?)
as garoas são geladas e previsíveis
as baladas são quentes e custam-me o olho da cara

terça-feira, 5 de julho de 2011

Eu vos declaro

ouso agora perguntar quem foi que inventou que o amor maior acontece entre um homem e uma mulher unidos no matrimônio
ouse responder: quem você ama mais?
acho engraçadinho pensar que é possível medir os amores assim, como se viessem em centímetros
amo tanto
amo tantos
muitos mais que os homens que se uniram a mim em caráter de exclusividade, ainda que os amasse muito

ouso perguntar agora quem inventou que o objetivo de uma vida é encontrar um amor
um amor!
um?
e os pobrezinhos que não encontraram esse amor único?
fracassados, infelizes e
amamos tanto
amamos tantos
e esse porra desse amor eterno e único, o que é?

esta história, contada há muito tempo, serve muitíssimo bem aos autores de novelas, aos padres, aos cartórios, aos buffets e às bandas de baile
serve bem ao estado, à ordem e ao progresso
serve bem aos empregadores, aos empregados
e à polícia

é tão bom que os autores de novelas não precisem inventar novas tramas
que os casamentos celebrados pelos padres e cartórios tenham sentido
e se realizem catarticamente nos buffets cheios de crisântemos e bandas ruins
que o estado encontre no núcleo familiar os responsáveis pelos indivíduos
que a ordem seja mantida, que roupa suja se lave em casa
que os trabalhadores não tenham outra distração além de um sexo noturno e preciso
que a polícia possa deter os atentadores ao pudor, os libertinos, os felizes
etc, etc?

é bom, sim
é bom
difícil é vagar, é não saber pra onde voltar no final de um dia de trabalho
se distrair com uns olhos baixos e uma cintura fina
tomar uns bons drinks e não conseguir pagar a conta
e nem dormir antes de voltar ao trabalho no dia seguinte
é difícil se perder por aí
se distrair com uma palavra
com um cheiro
com uma esperança