quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Bela miséria

Desde bebê eu aprendi a sorrir nas fotos. Na minha infância sair com cara feia na foto era fatal, porque você só saberia disso no momento da revelação. Eu tenho uma foto com os primos na qual estou com o nariz vermelho de tanto chorar. Um cabelo espetado na fotografia jamais seria reparado e você ficaria eternizada como a pessoa mais descabelada da foto. Fotografia era coisa séria, devia ser bem preparada, planejada em detalhes ou poderia ser um desastre.Os hábitos adquiridos nessa prática fotográfica arcaica estão sempre comigo e assim eu aprendi a tentar ficar bem nas fotos. Claro que não funciona muito, acabo ficando com aquele bico de chupar pau ou com a cara torta. No entanto, o futuro chegou, a tecnologia mudou e hoje podemos deletar todas as fotos que nos deprimem, não é?

Não, nem todas as fotos podem ser deletadas.
Aqui na metrópole muitas pessoas possuem câmeras, muitas mesmo. É possível ver grupos grandes passeando pelo centro, fotografando a paisagem, a arquitetura, os artistas, as pessoas.
Hoje, quando eu vinha pro trabalho, encontrei um desses fotógrafos na rua da consolação. Do meio da pista ele fotografava um homem miserável, que estava em frente a uma agência do itaú. O homem posava. O fotógrafo agachou, levantou, girou a câmera, diversos cliques e eu de queixo caído com a cena. Enquanto o sinal não abria, fiquei olhando aquele fotógrafo loiro, um pouco careca, vestindo aquela roupa cáqui de fotógrafo de safári.
Ele atravessou a rua e falou com o homem miserável que, por sua vez, era preto, estava sujo, vestindo preto e com um capuz quase escondendo seu rosto. O fotógrafo deu alguma coisa para o miserável que tanto podia ser dinheiro quanto cigarros. O fotógrafo seguiu seu caminho e o homem miserável também. Eu também.

Não consegui esquecer que o modelo posava para o fotógrafo loirinho. Ele levantou os braços, cenicamente exibindo seus andrajos. O loirinho clicou e clicou e clicou. E pagou alguma coisa por isso. Não deu um aperto de mão, não. Certamente agradeceu, porque a gente agradece por tudo, não é? Mas também pagou algo pelas fotos, que pode ser dinheiro ou cigarros.
Eu segui meu caminho com uma vontade danada de parar o fotógrafo e perguntar: porquê? E perguntar até quando ele guardaria a fotografia, se ele ia deletar ou se ele lembrava de como as fotografias eram sérias antigamente. Mas eu não falei nada, não queria chegar atrasada no trabalho.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

só um cisco

hoje olhei pela janela do ônibus para a comprida avenida, vi as ruas que cruzavam, as casas, os prédios, bares e pessoas andando rápidas.
não sei porque pensei na terra, na imensurável bola. vi seus continentes e oceanos infinitos. lembrei que ela não é uma mapinha plano, numa página. ela tem um volume impossível de imaginar, um centro quentíssimo e
percebi como as grandes obras, todo o concreto, asfalto e nossos prédios compridos são pequenos. pequenininhos.
e nós somos umas formiguinhas, construindo as trilhas de concreto, asfalto e imensas cidades pequenas. imensas casquinhas sobre o solo. apenas uma chuva (água caindo)
só uma chuva, qualquer chuva arrasta esses pequenos seres humanos, abre buracos e crateras nas suas avenidas.
eu me enganei nos últimos 31 anos, achando que eu era grande.