terça-feira, 21 de maio de 2013

ira uterina

numa regra atrapalhada
noutra distraída

numa hora depressiva
noutra raivosa

num dia gulosa
no outro dolorida

às vezes desprevenida
outras despirocada

o de sempre é o sangue, o esperado
o desejado e odiado
sangue, sangue!
zerando os placares pra iniciar uma nova partida


terça-feira, 7 de maio de 2013

fotografia e dor

teve uma vez que fiz um retrato a partir de uma fotografia. a foto era referência e presença do retratado, que estava viajando. não era uma fotografia que eu gostasse, mas era a preferida dele. passei horas olhando pra imagem capturada e tentando não apenas reproduzi-la, mas colocar ali o que eu via e era tão diferente. eu amava, achava que um clique era pouco pra contar tudo que eu conhecia de experiência vivida. o meu retrato era um presente pra ser entregue na volta.
não foi fácil trabalhar na presença dos olhos penetrantes e duros da fotografia, expressavam um desprezo imenso pelo que eu fazia. a luz era quente, bonita. o enquadramento franco. era uma bela foto. o problema não era a foto, eram os olhos frios que saltavam dela e os lábios cerrados que pareciam descaracterizar a pessoa que eu conhecia. a foto era anterior ao nosso encontro. eu queria, apesar de todas as dificuldades técnicas, superar a fotografia.
passei o dia desenhando, pintando, sofrendo. no fim do dia, o trabalho mais ou menos definido, faltava só um acabamento que ficaria pro dia seguinte. não lembro direito, mas parece que estava satisfeita com as diferenças entre a fotografia e a pintura. a incapacidade técnica parecia superada pelos sentimentos que envolviam a minha ação.
semi-satisfeita fui pra cama, a cabeça cheia de várias camadas de imagens que eu tinha tentado desvendar o dia todo. revirando sem sono, agitada pela novidade, mandei um sms de boa noite pro retratado. não contei sobre o retrato, que seria surpresa. recebi uma resposta logo depois, na qual meu amor falava da saudade, do tanto que amava... outra pessoa. ele confundiu meu sms com o de outra mulher e trocou as respostas.
várias ligações, minutos e reais depois, eu tinha esclarecido tudo entre nós três. ela também ficou sabendo qual era a real situação e quem era eu. eu tinha prometido pra ele (com um certo alívio) que o esperaria voltar antes de fazer as malas, picar a mula, ou chutar o pau da barraca. também ouvi juras de amor eterno que sei que, nesse momento, ela não ouviu. de certa forma, na medida do possível, acalmei o ciúme e a raiva durante o processo de torturar a menina (que era totalmente inocente na história).
com o problema da posse resolvido e esclarecido, sobrou o retrato.

o fdp do retrato. não resisti e fui olhar pra ele, pra ver o que tava dando errado na minha história. tava ficando bonito. eu tinha passado o dia todo em cima dele e não era tão ruim. a foto original tava por perto e eu olhava os dois, comparando.
percebi que não era a qualidade do meu trabalho diante da imagem fotográfica que eu comparava, mas a realidade das duas coisas. não havia nenhuma dúvida de que a foto tinha conseguido capturar uma essência que eu não pude. tudo que eu via com o olho da emoção, era excluído da fotografia. era realmente uma dessas fotos incríveis que captam a profundeza da pessoa. eu que via errado e meu retrato deixou isso bem claro.
diante da exacerbação das minhas ilusões em formas e cores, confirmada pelo uso mal calculado da tecnologia celular, tive um momento de ira. um ódio imenso da fotografia e do que eu tinha feito a partir dela. foi insuportável ver a mim mesma no retrato pintado. num acesso de dorian gray, esfaqueei a tela úmida. no livro do oscar wilde é o próprio retratado que, não suportando mais a representação da sua beleza e juventude, mata a obra e a si mesmo. diferente do pintor do romance, eu matei o que era meu no retrato, antes que qualquer pessoa o tivesse visto.
de certa forma, o assassinato daquelas ilusões trouxe a morte de outras tantas que nem ali estavam. levou um bom tempo até tudo que nos ligava morresse de vez, mas morreu.

essa história nunca foi contada, o que é raro pra mim. porque lembrei dela agora? não sei.
acho que era alguma coisa entre o que uma fotografia pode revelar e o que a emoção pode confundir. meu desagrado com a foto era porque ela insistia em desfazer o que eu imaginava e construía, mas isso eu só tive certeza ao rasgar o retrato que eu fiz. a foto era belíssima, justamente por denunciar a força destruidora daquela beleza num clique. eu nunca seria capaz disso.
o retrato que eu pintei não dizia respeito ao modelo, era sobre mim e só. era uma tentativa de escravizar o retratado na minha moldura.
a título de conclusão: 1) representar o que a gente ama pode ser gostoso, mas dificilmente vira obra de arte; 2) a beleza da obra de arte dói; 3) um sms pode ser tão revelador quanto uma fotografia.