sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

pesadelos, prazos, técnicas e listas

Hoje eu tive um pesadelo horrível, sei que essa é a característica principal dos pesadelos, mas vale a pena frisar. No meio do pesadelo meu celular me acordou, era o monstro dos meus sonhos que ligou pra dizer que não vinha almoçar. Tenho categorias de pesadelos que se repetem, o que me irrita porque quando começa eu já sei no que vai dar. Às vezes os sonhos se tornam realidade e às vezes a realidade é pior que o sonho. Por isso quando tenho um pesadelo ele não fica apenas no mundo dos sonhos mas se apresenta como nova ou velha possibilidade de terror real.

Nessas férias vou trabalhar bastante, tenho que finalizar a primeira fase da minha pesquisa para elaborar o relatório parcial da bolsa. Isso significa, além do prazer de pesquisar, que existem prazos a cumprir. Os prazos são um mini terror pra mim, tem coisa pior que prazos finais? A pesquisa, por outro lado, é uma delícia. Eu tenho preguiça de começar mas quando começo fica difícil parar. Pesquisa é droga para o meu cérebro e ele está cada dia mais viciado. É claro que o meio onde se realiza a pesquisa contribui para o vício. A internet é uma maravilha mesmo, mas não tenho dúvida que influencia na formação de nossas neuroses. É tudo tão fácil de achar, tão rápido, num clique... Só mais um clique, só mais um, só mais um, mais um...

Por falar em pesquisa... É impressionante observar o quanto as técnicas ficam em nosso corpo. Já observo a questão das técnicas corporais há um tempo e tenho várias hipóteses sobre como se relacionar com as tais. É claro pra mim que as técnicas não são inocentes, elas ficam em nós de alguma forma e nem sempre isso é bom. Mas ia falar sobre a técnica da escrita, a escrita acadêmica é uma praga. Quanta dificuldade pra me livrar dela... o blog tem sofrido por isso. Mas não desisto, sigo minha cruzada contra e a favor das técnicas, tudo ao mesmo tempo.

Mesmo sem querer acabei pensando nos meus objetivos para 2010, a famosa lista de ano novo. Até o momento minha lista tem dois itens: emagrecer os quilos que vou engordar no natal e parar de fumar. Talvez eu ainda exclua algum item, nada de começar o ano cheia de tarefas! Quanto ao balanço de 2009 deixo para outros, é muito acontecimento pra balançar alguma coisa. Basta perceber que fui mais feliz que infeliz e que voltei a fumar e não parei mais.

segunda-feira, 30 de novembro de 2009

buscadores

O que você quer? Sei que tem estado aqui diariamente, apesar de nunca falar comigo. Sei que olha e lê o que pode, mas nem tudo está escrito. As respostas são instáveis como um menino mimado, ainda que pudesse dá-las.
Eu estou aqui, você finge que não está. Eu sei que está e finjo que não sei, afinal o que poderia te dizer? Posso talvez dizer que essa busca é cansativa demais, envelhece demais. Se ousasse te dar um conselho ou se ousasse me pedir um. Ouso dizer que não venha mais. Se não puder evitar, fale comigo.
Você tem vindo diariamente e sei que não encontrou nada. Você tem ido ao lugar errado, não é aqui que a vida acontece.

As campanhas rolam soltas

Hoje vi no metrô, o maior veículo de propaganda do Serra, que a SP Escola de Teatro vai dar 100 bolsas de estudos no valor de R$525,00, entre outros gastos bem maiores. A bolsa PIBIC/CNPQ paga aos estudantes/pesquisadores da Universidade Estadual Paulista e de outras universidades R$300,00 para que façam sua iniciação científica. A FAPESP paga cerca de R$ 420,00 com o mesmo objetivo: fomentar a pesquisa científica no Brasil. Nada contra as bolsas para estudar teatro! Mas e o estudo e a pesquisa na universidade?

Falando em Serra, na semana passada fui me apresentar com o IAdança na ETEC de artes, no Parque da Juventude. O prédio é lindo e enorme, o palco é no pátio e o telhado é de vidro. Aparentemente é uma bela escola. Quando chegamos com as câmeras e tal, nos avisaram que não podíamos tirar fotos do prédio e de suas instalações, porque será? Temos cara de petista? Caso é que não queríamos mesmo fotografar a escola e fomos liberados para nos fotografar a vontade.

Pra não dizer que não falei das flores... Que é esse filme do Lula agora? Ninguém fica nem vermelho ao dizer que o filme foi feito nesse momento porque trata de uma boa história, que a história vale a pena ser contada, etc. Qualquer semelhança com fatos reais será mera coincidência.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

eu,

eu, pombinha branca, vim dos bairros de operários e trabalhadores rurais,
bairros de periferia e casas populares da Vila Maria
concebida e nascida prematuramente, como algo inevitável
aceita e criada conforme a regra

pequena se comparada ao mundo e intensamente interessada por ele e seus espaços
seus sons, seu vocabulário
pequena e ainda menor a medida que conhecia meus lugares no mundo
minhas vozes/ outras vozes

o que eu via não conferia com o que ouvia
o que eu fazia não correspondia ao que eu pensava
e tampouco eu pensava sempre o mesmo
isso eu percebi no calor das horas

o que aconteceu a seguir foi um acidente
não se sabe como ou porquê, nem as causas dos efeitos
as vozes dissonaram e eu falei, ainda falo, inverdades e dúvidas
e continuo no mundo que leio a cada dia de modo diferente e ainda tão igual.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

quando apaga a luz

Quando acaba a luz eu fico ensaiando sobre a cegueira também.
Da segurança de um lar, ouço as reações barulhentas a uma situação estranha. É estranho faltar luz numa cidade como São Paulo. É ainda mais estranho o barulho de vozes humanas, buzinas e sirenes (na verdade as vozes humanas são estranhas). Concluo que é perigoso faltar luz e meu coração dispara ao ouvir vozes vindas do corredor. As vozes estão exaltadas e, da segurança precária do lar, não sei se acontece uma invasão ou se acontece de as pessoas terem de subir de escada para suas casas. Quase de faca em punho, a única arma possível nessa casa, chego à porta e me certifico de que sobem as escadas.
Uso a única tecnologia ainda disponível e ligo pra saber se falta luz em outros pontos, se alguém sabe porque acabou a luz, se está tudo bem. Parece que está tudo bem.
Olho pela janela e os carros estão em conflito explícito com os pedestres e entre si mesmos. As sirenes em conflito com todos. Eu vejo da janela e penso se seria o caso de descer e saber de perto o que acontece na rua, o porquê do tumulto. Penso.

As luzes
Penso que as luzes não são feitas apenas para ver melhor. Penso que às vezes devemos apagar as luzes, desligar os disjuntores e vagar. Vejo pior com tantos refletores no caminho.
Não sei e o não saber é um saber, ou pode ser. Às vezes penso que sei e esse saber me apresenta o caminho. Penso esquecendo o caminho e encontro um outro menos medroso e menos determinado pelas condições de tempo, espaço e iluminação.

As velas
Se acendem depois de muito tempo. A vela é uma luz carregável que ilumina o necessário: o fogão, a mesa, o jantar, o companheiro, o chuveiro. Ilumina algumas janelas lá fora, só algumas. Não dá pra ver o caminho inteiro e tenho que imaginar o resto. Imagino.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Balanços

Nas duas últimas semanas participei de dois eventos, o Engrupedança e o CIC. O Engrupe é um encontro de pesquisadores em dança e o CIC é um congresso de iniciação científica da UNESP. Nos dois encontros o assunto era a pesquisa, claro.
No CIC, tínhamos pesquisadores da área de humanas, entre eles os artistas (nós). Como vocês fazem pesquisa? Sempre quis conhecer alguém de artes!Interessante que os artistas ainda são vistos como seres diferentes onde não se está acostumado a vê-los.
O Engrupe já tinha outra pegada, só artistas. Muitos do teatro e da dança e alguns de outras artes. O diálogo é muito mais fácil e muitas coisas se repetem.
No CIC encontrei algumas pessoas que nem imaginava encontrar naquele lugar. Encontrei também pessoas do Instituto de Artes que não conhecia. Foi bom.
Na minha apresentação de trabalho no CIC parecia que falava uma outra língua. As pessoas arregalaram os olhos, ou fecharam os olhos. Na minha sala não tinha ninguém da arte.

Nessa semana teremos o Encontro de Estudos Teatrais, no IA Unesp, cujo tema é Dramaturgia: as tessituras da cena, entre os dias 11 e 13 de novembro. A programação já está no site do IA. Os encontros acontecem das 9 às 12 hs e das 14 às 17 hs.

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Engrupedança Rio







Juro que não fiquei só na praia!

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Viajando

Hum, to indo pro Rio na quinta, vou ao Engrupedança como já disse outro dia. Quem quiser uma lembrancinha peça pra outra pessoa, meu orçamento é limitadíssimo! Mas trarei lembranças que poderei dividir com os amigos depois, quem quiser habilite-se. Volto no sábado paulistas, não fiquem com saudades.

Falando em viagem... na próxima quinta (05/10) vou pro Congresso de Iniciação Científica em S.J. do Rio Preto. Querida Cris, se você ainda passa por esse blog e ainda mora em Rio Preto fala comigo! Vou tentar encontrar seu e-mail, mas se passar por aqui deixe um recado. Quero ficar hospedada na sua casa.

Bom feriado!

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Twittando

Eu confesso: tenho problemas pra acordar. E também pra viver aos domingos. Dani, juro que eu ia visitar vocês no domingo. O caso é que o Tomaz viajou e eu fiquei sozinha. Aproveitei meu dia de solidão ao máximo, saindo apenas para comer. No próximo fim de semana?

Sarau. Os dias que não foram dedicados exclusivamente ao sono e à solidão nesse feriado, foram dedicados ao Sarau. Mór delícia. Pessoas que a gente conhece por aqui e considera normais são redescobertas nesses dias, tem gente muito artista nesse IA.

Trânsito. Alguém mais tá prestando atenção na nova campanha sobre trânsito? A idéia é que as pessoas sejam educadas no trânsito como são na vida. Opa, mas já são, tão mal educadas na vida quanto no trânsito. O problema é que falta de educação na vida é crime contra a etiqueta, e no trânsito?

Xixi. Pra mim, a campanha do trânsito entra na turma das campanhas idiotas junto com a do xixi no banho. Alguém lembra? SOS Mata Atlântica promovendo o hábito de fazer xixi no banho pra economizar água da descarga. O problema dessa campanha é óbvio: todo mundo já faz xixi no banho!

Bruta flor. Ouvi dizer que tem uma peça em homenagem ao blog. Mentira! Mas tem uma peça por aí (Sesc Consolação) que tem a bruta flor no título. DE COMO FIQUEI BRUTA FLOR/ESPASMOS DE UM CORAÇÃO DESVAIRADO , da Cláudia Schapira. Vamos ver?

Cinema. Conforme já postei hoje, dia 21 estreia um curta que fiz com o Freddy Leal, mestrando do IA UNESP. Eu vi o filme na internet e agora falta a coragem de ver em tela grande. Sou a única atriz que aparece no filme, a participação do Roberto foi em off, e meu medo é que alguém xingue a atriz, há! Bom, dia 21 tá aí, vamo que vamo.

Engrupedança. De 29 a 31 de outubro acontece na UNIRIO o II Encontro de Grupos de Pesquisa em Dança (Engrupe). O primeiro encontro foi aqui em SP, no IA UNESP, em 2007. Algumas pessoas do grupo de pesquisa (GPDEE) vão apresentar trabalhos e eu vou pra ver e oficinar por lá. Acho que as inscrições para oficinas e workshops ainda estão abertas. No site .

Estreia no cinema

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Sarau Experimental

Nesse final de semana prolongado vai acontecer o Sarau na UNESP. Eu gosto muito desse evento que tem uma proposta de organização muito boa. Todos os estudantes do Instituto de Artes tem um espaço pra experimentar idéias e refletir sobre esse pensar e fazer arte. Além de ser um espaço para os estudantes, o evento é aberto à comunidade e faz parte do princípio do Sarau que esse espaço seja aberto. No último Sarau, em 2008, aconteceram coisas muito legais e raras. Não havia bar vendendo cerveja, as pessoas se organizavam em pequenos grupos pra comprar a cerveja e passavam o chapéu. A bebida ficava na geladeira ao acesso de todos. O esquema de comida era parecido, os ingredientes pro cachorro quente ficavam a disposição e cada um montava seu dog e deixava uma colaboração na caixinha. A idéia de que o evento é feito por quem está lá e não por uma comissão organizadora, que todos que estão no lugar são responsáveis por ele e, portanto, não faz sentido contratar faxineiras e nem mesmo seguranças, são questões importantes que o Sarau levanta.
Neste ano, soube que a organização do Sarau sofreu pra fazer o evento, mudamos de campus e o novo é muito chique. A atual chiqueza do nosso campus está dificuldando a utilização do espaço pelos estudantes e pela comunidade. São infinitas regras e protocolos a cumprir, justificativas e tals pra fazer qualquer coisinha lá. Ainda por cima o prédio não pode estar aberto a noite... Então, esse ano, acho que o Sarau será um espaço pra pensar essas questões também, o próprio evento coloca tudo isso em questão.
Por essas e outras estarei no Sarau, provavelmente farei alguma intervenção, mas bem ao espírito do Sarau, não tenho certeza do quê farei nem quando farei. Minha viagem ao Rio no feriado parece que miou e resolvi estar no Sarau de última hora, por isso mesmo acho que será mais interessante. Convido e recomedo.

Sarau Experimental
10, 11 e 12 de outubro
Campus do IA UNESP
Rua Dr. Bento Teobaldo Ferraz, 271
Barra Funda (em frente ao Metrô)

Acesse a programação do Sarau:
http://www.ia.unesp.br/

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

corpos mudos

os corpos passam e passam
mórbidos
vivos e mortos em tempo real
invisíveis nas câmeras inteligentes
corpos invólucros,
embalagens biodegradáveis adequadas
corretos, secos
o corpo fala e diz que é hora: de trabalho, de descanso, de correr
é tempo de ir, sempre ir, sempre ir, ir ir ir ir ir ir
é tempo de ir a favor: do fluxo, da corrente, do tráfego
trafegar por mares já navegados, com pressa
corre que a vida vai! a vida não volta e os corpos menos ainda

corpo duro e uniforme na sua não-forma
preso à sua própria estratégia de não se deixar ver
corpo sem alma, sem identidade
silicone, tábua, tanquinho
clínica e salão de beleza, banho de lua pêlos claros
corpo estático
o andar que não se detém pela impossibilidade
corpo funcional, econômico e treinado para o nada
treinado, domesticado
cansado
o corpo fala e diz que não está

um degrau
um degrau que não estava na rua
um buraco na calçada e o corpo cai (ele não estava lá)
segure no corrimão: assim dizem ao corpo o que ele deve fazer a seguir
e o corpo não sabe onde estão suas pernas, o cóccix, a panturrilha, as escápulas
o corpo tropeça nas suas beiras
ele não vê sua morte nos outros corpos
jura que está vivinho da silva e goza às vezes.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

retratos e canções

Pensou em como poderia terminar com aquilo. Aquilo já durava alguns anos, não sabia exatamente quantos meses, dias, etc, porque não tinham uma data.
É, não tinham uma data. Os românticos podem discordar, mas não ter uma data era uma vantagem, desde o princípio. Não ter uma data podia ser um sintoma da coisa toda, mas pensava que essa coisa de data é uma forma de distração e mais importante para o comércio que para o casal. Achava ótimo não ter essa data.
Não tinha também fotos dos dois. Algumas fotos de um ou de outro e só. Teve uma vez uma foto de um sexo oral, mas numa das idas a foto oral se foi. A questão da foto se mostrou um pouco mais complexa, queria umas fotos agora. Fotos dos dois se beijando, tiradas com aquele braço esticado que quase aparece e estraga a beleza da cena. Não tinha nenhuma foto que pudesse ainda ser rasgada e jogada na água corrente. Rasgar umas fotos seria terapêutico além de marcar um fim. Imaginava porta-retratos com fotos de momentos românticos (vinho no parque), ou momentos de intimidade (com o olho cheio de remela), e como seria simbólico poder quebrá-los todos. A coisa da foto era uma falha, pelo menos agora, no final.
Por outro lado, podia comemorar o fato de não terem uma música. A ausência de uma música ou muitas músicas tema era coincidência, não estava articulada com algum princípio ético. Nada contra músicas tema. Bom, talvez não fosse coincidência. Pensava agora que não valorizava devidamente essas distrações próprias de casais. Coisinhas que dão o que pensar enquanto se suporta as violências e o tédio. Ouvir a música e pensar no outro, ou ouvir a música juntos e saber que o outro está pensando o mesmo que você, ou quase. Será? Uma vez deu um CD de presente, outras vezes compraram CDs juntos, mesmo esses CDs não renderam músicas "do" casal.
Como terminar tudo? Não haviam fotos a serem rasgadas, nem músicas pra ouvir e chorar, nem datas a serem esquecidas. Os rituais todos devem ter uma função, vai ver é isso, facilitam na hora de terminar. Quem segue os rituais deve saber o que fazer. Quem assina um contrato pode rompê-lo. Quem tira as fotos pode rasgá-las, quem troca presentes pode devolvê-los, quem tem música tema pode ouvir e chorar o fim.
Não tinha nada pra se segurar. Talvez tivesse sido tudo muito árido, muito direto. O fim, dessa perspectiva, ficava mais difícil do que imaginava. Fim e o quê? Depois do fim o quê? Nada pra rasgar, nada pra ouvir, nada
Talvez fosse melhor não ritualizar esse fim, não torná-lo um evento. Talvez pudesse esperar acabar, sem data definida, sem justificativas e culpas. Esperar, acabar, esperar

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Quarttet

Então eu fui assistir ao espetáculo dirigido por Bob Wilson. Apesar de ser minha primeira vez, imaginava mais ou menos o que iria encontrar. Gostei muito do espetáculo, entendo que essa declaração não tem a menor relevância, uma vez que a minha aprovação em nada muda o fato que Wilson é reconhecido como um dos maiores encenadores de todos os tempos. Por isso mesmo me contento em dizer que gostei, e muito. Por outro lado, algumas pessoas não gostaram, algumas saíram durante o espetáculo, ou seja, nem se deram ao trabalho de apreciar a obra. Eu fiquei sentada ao lado da porta e vi muitas das pessoas que saíram dos assentos pares. Muitos artistas, claro, pois era esse o público. Aí fiquei pensando: porque essas pessoas não podiam esperar o final do espetáculo? foram surpreendidas pela linguagem? não esperavam aquele tempo? A conclusão que cheguei é simples: não importa, ou importa tanto quanto eu dizer que gostei ou não.
Como dizia minha avó: gosto é igual cú, cada um tem o seu. Mas tem gente que acha que seu cú é mais cheiroso que o dos outros. Ai se faz necessário mostrar aos outros qual o perfume do seu cú, uma forma é sair durante a peça.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Anarquistas da boca pra fora

Tem algumas questões que de tão discutidas tornam-se bobagem e a gente pensa que não vale a pena discutir. Pensamos que os desdobramentos da discussão são óbvios e que não há necessidade de retomá-la.
Pois às vezes, mais frequentemente do que gostaríamos, nos pegamos travando discussões sobre coisas que deveriam estar claras.
A questão da forma e do conteúdo, por exemplo, não está claro que a forma veicula um conteúdo em si mesma? Não está claro que as opções formais devem ser feitas de modo que não difiram do conteúdo, ou do discurso pretendido? Por outro lado, é possível que a forma coloque o conteúdo em questão ou vice-versa, é possível brincar com essas estruturas, mas isso deve ser consciente. Do contrário, o que observamos é uma confusão pura e simples, no mal sentido.
Em arte, os artistas costumam criar, a criação sempre vem embalada ou até mesmo motivada por uma forma. Sem estabelecer aqui um caminho ideal pra criação, vamos considerar que a questão formal está implicada na criação de modo geral.
Outra questão importante, a meu ver, é como se dá o processo criativo. Existem muitas formas de trabalho e os artistas vão se afinando ao longo da sua experiência com procedimentos que lhe interessam. Na minha opinião, o modo como se dá o processo criativo é fundamental para o resultado final da obra. Acho que o modo está impresso de alguma forma na obra e que é possível verificar qualidades diferentes, segundo um ou outros modos de criar.
Outra questão que vou levantar nesse discurso um tanto caótico é a questão da anarquia. Ao que me consta, a anarquia não admite formas de poder. Sei que existem divergências entre os anarquistas, mas de modo geral, posso dizer que a anarquia não é uma forma de organização do poder. Mesmo o anarquista mais reacionário ou defeituoso, deve concordar comigo que um homem não deve exercer seu poder sobre outros.
Vou construir uma hipótese pra me aproximar da discussão que pretendo levantar: Se quero construir um espetáculo que questione as formas de poder, uma vez que sou anarquista e considero essencial tocar nesse assunto, como devo proceder?
Eu procederia da seguinte forma: primeiro, definiria um modo de criação que esteja de acordo com minhas crenças anarquistas, posso falar em um modo coletivo de criação, por exemplo. Segundo, pensaria numa forma que colocasse as questões importantes, seja uma forma extremamente rígida que refletisse o poder que estou questionando, ou uma forma bastante aberta que apresentasse minha percepção sobre a questão do poder, ou ainda, uma mescla dessas formas que evidenciasse o discurso. Por último pensaria na dramaturgia, que deveria se construir no processo criativo, mas que poderia ter um acabamento mais pro final do processo.
Essas tentativas de pensar um modo de criação a partir dos pressupostos apresentados, são uma brincadeira. Mas são uma brincadeira conceitual, os fins e os meios estão ligados de uma forma particular. Nessa brincadeira construí um modo de criação, mais ou menos definido, orientado pelos meus objetivos.
Agora vamos pensar em outros procedimentos: Primeiro eu defino meus objetivos e a partir daí crio uma dramaturgia. Segundo, digo ao meu grupo o que cada um deve fazer. Por fim, a forma vai se construindo a medida que as dificuldades do elenco em lidar com minha proposta surgem.
Não tenho como garantir que um ou outro modo de fazer garantam um espetáculo agradável de assistir. Mas sem dúvida o primeiro modo de fazer é mais coerente com o próprio fazer artístico, com o discurso pretendido, com questões que já são pensadas na criação contemporânea, etc... O segundo modo me parece amador, vai por tentativa e erro e se baseia em procedimentos conhecidos historicamente e na sorte.
Porque trazer essas discussões pra esse espaço? Porque essas questões sempre permeiam meus pensamentos e às vezes eu me pego com a necessidade de discutir coisas que parecem óbvias, pelo menos pra quem pensa a arte. Não adianta dar murro em ponta de faca, teimar, adular, chantagear, etc... o que adianta é afinar seus propósitos aos meios.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Ia escrever mais um post sobre eu mesma, mas resolvi socializar com o pessoal da facú. Ai, que fofo ter essa possibilidade. Beijos.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A volta da Santa Periquita

Há uns dois anos eu escrevi um post aqui que era uma oração à Santa Periquita. Desde então muitas pessoas chegaram ao meu blog procurando a Santa. É sério! É a expressão que mais atrai visitantes ao blog vindos de sites de busca, mais que meu nome por exemplo. Em homenagem à Santa que me trouxe tantos leitores potenciais, resolvi ressuscitar a oração. Quem sabe venha a ser a oração oficial, daquelas que vão no verso do santinho...

Ai, minha santa periquita, santa dos casos perdidos e transas urgentes.
Me ajude. Preciso de um homem pra me fazer um carinho, me levar pra jantar, me beijar na porta de casa, enfiar a mão por baixo da saia, beliscar meus peitinhos, trepar a noite inteira, que faça serviço completo e mande flores no dia seguinte... dá pra ser? Ah, tá em falta.
Santa periquita, santa dos casos perdidos e transas urgentes me arruma pelo menos um rapaz bem servido de pinto, que seja rígido, bem disposto e que não passe mal com sexo oral, se vier com cafuné antes de dormir é perfeito. Ah... não tem também?
Olha minha santa, vou facilitar as coisas pra senhora. Me arruma qualquer coisa com pinto, nem precisa ser tão rígido, que a gente dá um jeito por aqui.
Amém!

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Por exemplo as cadeiras


Nesse sábado vou dançar, é uma coreografia ainda em andamento e será apresentada no lançamento do DVD-ROM Dança Criança na Vida Real.
Trabalhei na elaboração desse DVD como colaboradora também. É um DVD que apresenta um trabalho realizado numa escola, em 2008. Uma intervenção em forma de vivências em dança.
Vai ser legal.

Porque eu gosto

Outro dia meu pai me disse que sou muito crítica e tô sempre revoltada. Ele estava preocupado porque acha que nunca estou feliz. Ele tem razão. Não que eu não fique feliz, mas tô sempre preocupada. Leio o jornal e fico nervosa, vejo TV e fico inconformada. Ando pela rua detectando tudo que está errado e devia ser diferente. O social, o humano, a conjuntura.
Eu respondi pro meu pai que se eu deixasse de ser crítica não ia me sobrar nada.
Há umas duas semanas minha prima e amiga citou meu pai e ainda me mandou essa: você leva a vida com muito peso, fica difícil aproveitar as coisas boas que acontecem. Ela tem razão.
Eu criei um padrão de “excelência” que me custa mais do que percebo. Faz alguns anos que abandonei o descompromisso, mesmo o eventual. Pensava que esse era um movimento natural, algo como trocar a adolescência pela vida adulta.
Caí do cavalo.
Assumi compromissos, estabeleci metas, ingenuamente chamadas de sonhos. Destilei regras e padrões de felicidade comprometida. Opa, justo eu que adoro questionar os padrões, os modelos? (pelo menos teoricamente). A questão é que todo esse comprometimento que prezo tanto me afastou das coisas simples e plenas.
Estou sempre defendendo o valor a experiência, não experiência como passado, mas a experiência como pura experiência mesmo. Sabe quando você faz qualquer coisa e pensa: putz, é isso! entendi tudo... é experiência. É aprendizado e transforma suas percepções.
Eu assumo, matei minhas experiências repetidas vezes, durante anos. Não todas, evidentemente, mas uma boa parte delas.
Nos últimos dias tenho andado numa montanha russa, não sei em que ponto estou e muito menos se vou cair ou subir na próxima curva. Perdi as referências. Justamente nessa perda, ou por essa perda, redescobri a experiência. A experiência acontece no agora e é um momento pleno, completo.
Quando você não sabe o que vai acontecer a seguir, nem se preocupa com isso, quando não se tem parâmetros, nem um passado que te mostre o que vai acontecer. Enfim, quando não há onde se agarrar, acontece a experiência e ela é plena de prazer.
Ficar apaixonado é mais ou menos assim. Não há regras, compromissos e metas a cumprir. Você sente tesão, prazer na companhia do outro e parece que não há tempo.
Aí a gente inventa um monte de bobagem: sonhos em comum, objetivos, planos para o futuro e mais um sistema completo para que tudo isso dê certo. Um esquema que não tem nada a ver com sentimento. Tratos e combinados que devem ser cumpridos, mesmo se foram feitos enquanto você estava com um pênis na boca. Assim você legitima aquela paixão e transforma em algo MAIOR, MAIS COMPLETO: UM CASAMENTO.
Nada contra casamento, veja bem, não pensem que estou aqui com dor de cotovelo. Acho que a idéia de viver com alguém é muito boa, é uma coisa realmente deliciosa. Claro que é bom por alguns lados e ruim por outros, mas é aí que quero chegar. Chego a uma conclusão entre tantas possíveis: o amor independe da montanha de combinados.
Sentir amor é algo que acontece no presente. Não sei de nada melhor que amar alguém sem ter que pensar na conjuntura da relação. Foda-se a conjuntura e foda-me por favor! Ninguém pode sentir a minha experiência de estar apaixonada, ninguém pode tirar isso de mim. É um tesão não ter que resolver problemas de relacionamento.
Outro dia eu perguntava: mas porque você quer fazer isso? a gente já sabe que não leva a nada. A resposta me desconcertou: PORQUE EU GOSTO.
Eu não faço nada só por gostar, tudo deve estar ligado a um objetivo maior que eu mesma. Oi?! maior que eu mesma?
Olha, não vou abandonar minhas crenças de vez, chutar o balde e sair por aí apenas satisfazendo 'eu mesma'. Por outro lado, os policiais de plantão que me desculpem, mas eu gosto de ser feliz, nem que seja um dia, dois, uma semana, alguns meses... eu mereço. E fazer algo simplesmente porque eu gosto é bom pra caralho.
Eu faço porque eu gosto, porque é vivo, porque existe a possibilidade. Por enquanto é só isso que eu preciso.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Os balões

Era por pura necessidade que ingeria balões. Preferia os coloridos: verdes, amarelos, vermelhos, azuis, roxos e alaranjados. Às vezes engolia exclusivamente os brancos. Mas todos eles cheios, inflados, bem gordos. Eram gordos e vazios ao mesmo tempo.
Pensava, eventualmente, que devia experimentar novos sabores. Todos se espantavam com essa preferência por balões. Rendia-se e engolia um sapo ou uma rosa. Arrependia-se, pois nada se comparava à sensação de engolir um balão cheio.
Abria a boca com gosto e sorvia com o fundo da garganta um balão, depois outro e ainda outro. Deixava o balão parar na altura do peito pra sentir com mais força a força vazia do balão. Quando chegava ao estômago perdia um pouco a sensação do balão, queria logo engolir outro. Engolia um atrás do outro até que o estômago transbordasse de ar e cor, só então parava.
Logo sentia uma ansiedade, os balões iam se esvaziando em suaves suspiros. Impossível mantê-los cheios lá dentro. Às vezes um balão explodia e num espirro seu abdome murchava. O espirro era um jorro e ela sorria, um espaço se abria dentro dela e engolia mais um balão.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

reza

Não me lembro de ter rezado ao longo da minha vida. Talvez uma coisa meio obrigação porque ouvia dizer que devia.
Só agora descobri que se reza pra si mesmo. Espero que eu esteja ouvindo.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

O sequestro

Guardou o pênis numa caixinha rosa. Não era seu, mas agora era como se fosse.
Abriu a caixinha e olhou pra ele. Inerte e pálido.
Não sabia se devia ou não contar ao dono do pênis.
Talvez devesse avisá-lo que estava com ela. Talvez ele se zangasse.
Enquanto pensava, achou melhor conferir se ainda funcionava. Não, nenhuma função.
Contava?
Não contou, colocou a caixinha junto com suas bijuterias.
Se contasse ele ia se zangar, com certeza.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Sofá

Sentou-se em frente à TV.
Amorfa, meio gente, meio sofá, algo assim. Ia ficando parecida com uma almofada.
Na tela, sucesso condicionado a diferentes produtos. Felicidade.
Ela, uma almofada florida em tons pastéis, Nem sorriso, nem nada.
Na novela belas moças e belas senhoras. Belos homens e gente engraçada. Os malvados são reconhecidos como tal. Uma tranquilidade.
A sala sem graça, iluminada pela luz da tela e ela sentada, meio deitada no braço do sofá. Quase imóvel, quase um móvel.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Boal

Nunca tinha passado pela minha cabeça que o Boal fosse morrer.

sábado, 2 de maio de 2009

2 meses depois

Será necessário dizer que não tenho conseguido postar?
A vida me pegou de jeito e não me deixa mais fazer o que quero. Ela faz de mim o que quer e eu vou correndo atrás tentando entender o que aconteceu no instante imediatamente passado.
Mas minhas vontades existem em algum lugar, logo eu volto.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Criando

Não, não estou especialmente criativa. Aliás, encontro dificuldades em digitar, talvez seja culpa do domingo de carnaval.
Mas estou começando um novo processo criativo, parece metido a besta falando assim. Não é nada de mais, só colocar em cenas coisas que estão na minha cabeça e no corpo há um tempinho.
Nesse trabalho vou experimentar coisas que ainda não pude aprofundar, coisas que estão apontadas em mim, em algum lugar de mim.
Pra sair alguma coisa desse processo criativo, preciso registrar o que acontece. Seja pra repetir ou pra mudar ou deixar. Já que vou ter que registrar mesmo... um blog, mais um.
Vai ser diferente desse aqui e vai ser diferente dos meus cadernos de registro também, vai ser uma coisa nova.
Vamos ver no que vai dar.

O link pro blog novo está aí do lado, um conto e uns pontos.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

De repente

Aí bateu aquele amor assim, por tudo.

Um amor por tudo que é bonito e feio ao mesmo tempo.

Tudo que goza e dói, que é estranho e contradição.

Amor humano, mais que perfeito, sujo. Limpo e puro por isso mesmo.

Amor só assim, batendo.

Amor bate-bate.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Então, cortei o cabelon.










terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Fim de feira

Desci do ônibus e dei de cara com a feira. Tinha esquecido a feira.
Nunca vou à feira porque não gosto do barulho e do tumulto, fico atordoada.
Tinha que passar pela feira, em direção a
Foi ali que pensei mais uma vez em como amava andar por aquelas ruas. Amava e não sabia se odiava também.
Os restos de comida e pessoas estavam ali. Pareciam se mover com rapidez e, no entanto, estavam inertes.
Pombas voavam, beliscavam. Já deviam estar cheias, as barrigas gordas.
Eu pensava em como amava aquela imundície. Tinha medo, sem dúvida.
Era muito diferente de andar por ruas arborizadas, limpas. Pessoas correndo com seus nike shox.
Era feio ali, na feira. A rua inteira estava ocupada e tinha que desviar das folhas de alface, de repolho, folhas.
Só sobraram as folhas, o que me fez pensar que os legumes foram recolhidos, comidos.
A rua estava cheia e era difícil saber quem trabalhava, catava ou observava.
Os homens me chamaram, elogiaram, assoviaram. Eu não respondi e eles sabiam que não responderia.
Eles sabem, mas chamam mesmo assim.
Eu também sei que vão reagir à minha passagem.
Eu não reajo, não olho.

Depois da feira o cenário não era melhor. Muita sujeira e trapos-pessoas.
Penso porque eles reagem e eu não.
O final da feira era uma espécie de festa ao contrário, ou uma festa.
Penso porque gosto dessa imundície.
Penso que dá sentido a alguma coisa que não sei o quê. A sujeira estava lá antes de mim e vai continuar depois. Qual o sentido?
Por ali tudo é exagero, em volta os travestis desfilam sua feminilidade exagerada. Bêbados cambaleiam ou caem pelas calçadas. A sujeira se acumula no espaço e nas pessoas. Não há disfarce, mas o seu contrário.
Eu desfilo contrastando com o redor. Nem muito feminina, nem suja, nem cambaleante. As bochechas coloridas pelo blush, os cílios duros. O contraste se torna exagero.
Ali fico dilatada, um exagero. Personagem que contrasta com o meio por onde passa, clichê visual.
Vai ver é isso.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Quase 30

Amanhã é meu aniversário.
Acordei meio chorosa pelos erros cometidos e repetidos nos últimos anos. Mal humorada porque acordei antes do despertador tocar.
São quase 30, uma mania de antecipar as coisas. São 29.
Fiz um café e comprei pão fresco, há muito tempo não faço isso. Tenho perdido meu tempo pensando em bobagens. Pão e café fresco, isso que é vida.
Hoje comemoro meu aniversário com os amigos, amanhã viajo pra comemorar com minha família. Ontem um eco do passado me cobrou, você me deve isso e aquilo. A mim ninguém deve nada, eu não cobro. Morro o prejuízo sozinha ou quase, agradeço aos meus amigos mais uma vez e pra sempre.
Pra mim o ano não começa depois do carnaval, começa no dia 1 de fevereiro. É nesse dia que eu começo um novo ciclo. São 29 ciclos e passam rápido demais pra eu acompanhar.

Parabéns pra mim que nasci aos 8 meses, no dia 31 de janeiro de 1980, de parto normal, na cidade de Sertãozinho (SP).

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Profundo?

Outro dia uma amiga escreveu a respeito de um post meu: " Profundo!!!" Talvez tenha sido ironia dela, não dava pra saber. Independente de a intenção ter sido irônica ou não, me peguei a pensar no que queremos dizer quando falamos que algo é profundo. Profundo parece ter uma qualidade melhor que raso. Aí me pergunto: profundo é melhor que raso?
Raso parece ser o que está na superfície, o que reconhecemos facilmente, o que vemos com clareza. Na praia vemos nossos pés na água rasa, mas não na profunda (pelo menos aqui no nosso litoral próximo e sujo) Profundo parece mais difícil conhecer, msterioso, demanda um esforço maior. Até aí tudo bem, nem melhor, nem pior.
Às vezes dizemos "profundo" quando não entendemos algo. O discurso é difícil? Logo mandamos um "profundo..." Ao mesmo tempo que expressamos nossa incompreensão, fazemos um elogio ao emissor do discurso "não é você que se expressa mal, eu que não sou capaz de compreendê-lo". Dito isso, não nos sentimos mais na obrigação de entendê-lo, nem ele de se fazer entender. Entramos na esfera do obscuro, quase sobrenatural.
Voltando a pensar no meu post, não acho que seja profundo. Fala de coisas conhecidas, rasas, clichês e também de coisas não tão claras, sentidas, incompreendidas. Ele não é profundo, nem raso. É composto por camadas e elas não se sobrepõem umas às outras, só estão lá, as camadas.
Fiquei pensando também em quanto essa noção de raso e profundo nos afasta de conhecer. Colocamos uma etiqueta: "raso" ou "profundo", e não precisamos mais pensar. Nem estou falando do post que eu escrevi, ele não merece tanta atenção, mas falo de tudo.

Segunda (26/01) li no jornal o imortal Evanildo Bechara falando sobre a reforma ortográfica. Ele ganhou uma página inteira no JT (do Grupo Estado) para falar sobre o assunto. Em momento algum ele colocou em questão a reforma. Nem mesmo as mudanças do pára e fôrma, que tinham acentos diferenciais (servem pra gente saber se o para é verbo ou preposição e se forma é de bolo ou física). Eu, particularmente, odiei essa parte da reforma. Enfim, ele apóia totalmente a reforma e no final da entrevista o repórter pergunta se ele se incomoda com as críticas. Ele disse que não, porque as pessoas que têm (esse acento caiu também?) conhecimento técnico sobre o assunto não colocam a reforma em questão e as pessoas que questionam não têm (^?) direito de criticar pois não têm conhecimento do assunto.
Conclusão: se você é um mortal como eu que usa a linguagem escrita apenas para se comunicar, não tem direito de questionar um imortal. Em outras palavras, esse assunto é muito profundo pra você. Por outro lado, a meu ver, o discurso do Sr. Bechara é muito raso. Confiram a entrevista, e os exemplos que ele dá, alguns são hilários.
Sei que não tenho conhecimento para discutir o assunto, mas não tô nem aí. Acho que o Sr. Bechara fica numa posição bem mais segura ao lidar com o assunto da reforma como se fosse de uma profundidade insondável. Imaginem se todos nós pudéssemos palpitar na ortografia da língua portuguesa, pra onde iria o poder do Sr. Bechara?
Enfim, vamos um pouco além da profundidade? Às vezes o que parece profundo é, na verdade, muito mais raso do que acreditamos. É preciso prestar atenção.


Serviço: O post do qual falo no texto é "Recomeço", de l9/01.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Frase do mês

Plagiando Daniel Lühmann (e aproveitando as oportunidades de utilizar a falecida trema):

É a sua indiferença que me mata.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Você é uma figura

Tem uma ou duas pessoas que sempre me levam a consultar o dicionário. Isso quer dizer que alguém me desafiou de alguma forma, a ponto de querer definir exatamente o que essa pessoa quis dizer pra mim ou de mim.
Uma dessas pessoas me disse hoje: Você é uma figura!
A expressão imediatamente me ofendeu, não gosto dessa expressão de forma geral, muito menos referida a mim. Por via das dúvidas, consulto o dicionário e aí está parte da resposta:

figura
fi.gu.ra
sf (lat figura) 1 Forma exterior. 2 Aparência. 3 Porte. 4 Unidade num conjunto de expressão humana; pop rosto. 5 Imagem, gravura, estampa. 6 Pessoa, vulto. 7 Importância social. 8 Representação. 11 Busto ou corpo de pessoa estampada ou desenhada. 12 Qualquer sinal de notação. 13 Carta de jogo que tem figura. 14 Peça. Psicol: diz-se que a figura é a percepção que nitidamente se destaca, entre impressões menos distintas, às do fundo. F. irregular, duas premissas. F. de teatro: atores e atrizes.

Como pensava, essa pessoa me reduziu a uma parte de mim. Aparência, exterior, o que aparece por fora. Como consequência desqualificou as coisas que eu disse, como se uma personagem houvesse dito. Foi isso que senti.
Só pra constar: eu sou uma pessoa inteira, cheia de espaços preenchidos e vazios, sentidos, sentimentos, desejos e eu não escondo quase nada. Não vê quem não quer.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Recomeço

Eu fecho o livro e os olhos. Eles ardem como se estivessem abertos há muito tempo.
Eu fecho os olhos e as palavras flutuam na minha frente. Flutuam e se embaralham.
Sei o que elas dizem mas não ouso compreendê-las.
As palavras travessas não cansam desse jogo, tentam me explicar o óbvio.
Fecho os olhos e abro um novo livro, mais complexo, que me explica profundidades. Mergulho neste profundo, a visão embaçada dos velhos óculos. Talvez valesse a pena trocá-los.
Parece simples comprar um novo par de óculos, mas não. Como deixar o olhar familiar por um outro, desconhecido? É como respirar uma nova atmosfera, lunar. Como é andar e respirar na lua sem capacete, uniforme e cabos conectores?
Tirar o dedo da boca, o cigarro, a garrafa, o pinto. Abrir a boca e tê-la livre.

Chupo o dedo da mão direita depois de muito tempo, sugo como se pudesse me encher de algo.
Algo invisível e indizível, algo que não conheço mas preciso. Sugo o dedo e os olhos afundam nas órbitas. A língua acaricia o polegar quase sem querer, com amor imenso e saudade.

Amor e saudade. Nunca sei porque os sinto ou por quem.
Talvez sinta por mim mesma, porque preciso senti-los. O dedo na boca me acalma e os olhos fechados só vêem sombra. Só sinto.
Sinto-me só e sei que sou só mesmo, só não queria senti-lo. Saber e sentir são diferentes.
Saber é prazer, alívio, segurança. Sentir é dedo na boca e olhos fechados. Nada explica ou pouco importa a explicação.
Qualquer explicação é mentira.
Sinto amor e saudade por mim que fiquei pra trás há mais de vinte anos. Pouco importa a explicação.
Cada amor é um reencontro com a menina, é dedo na boca.
Mas a menina sabe que é velha demais pra chupar o dedo, há mais de vinte anos.