domingo, 23 de dezembro de 2012

cotidiano

café
cigarro
cocô

domingo, 16 de dezembro de 2012

trajetória

existe uma coisa que se chama de trajetória, que nada mais é do que uma espécie de trilho que se faz enquanto se percorre, tendo algumas paradas mais ou menos obrigatórias, um tempo mais ou menos previsto para cada trecho a ser percorrido. no início da trajetória já se sabe mais ou menos qual será o trajeto, pois uma parte dos trilhos já vinha sendo construída para esse fim. a trajetória é essa coisa a ser construída (mais ou menos definida) que pode mudar a qualquer momento, no entanto seus trilhos vem sendo construídos há tempos.

no dia em que eu te conheci fazia sol e calor, seus olhos brilhavam com a luz, sua pele brilhava e isso me ofuscou. o céu estava azul como antes, as pessoas riam como sempre, outros choravam como nunca e tudo ia bem.
eu te contei mil histórias engraçadas e você riu de todas, nesse dia eu vi todos os seus dentes. seus olhos estavam azuis como antes e o sol brilhava como sempre.
ofuscada, mostrei também meus dentes, o mamilo esquerdo, a palma da mão direita e um hematoma, arregalei os olhos, levantei os braços, dancei e você gostou.
você me mostrou suas garras, seus olhos e seus desenhos e foi mais do que eu esperava, você fez promessas pela metade e pediu um drinque.
eu virei o drinque, você me girou, eu me encostei, nos enroscamos, corremos e rimos.
me lembro que falamos durante horas frases pela metade, cheias de apostos e adendos. entendíamos tudo antes de abrir a boca: que as palavras se transformavam em ar, que os toques se transformavam em calor e nada mais era igual.
não foi possível dizer quem beijou quem, quem invadiu quem, quem fugiu do quê, quem pediu e quem ganhou. o acontecimento não teve sujeito, nem culpa, nem fim.
dormimos, acordamos e era o dia seguinte, no dia seguinte seguíamos o caminho de volta. as cabeças pesadas, os passos lerdos, os dedos enroscados, os olhos inchados, os cheiros misturados, os dentes que já não se mostravam, mas se sabiam.
no dia seguinte ao que te conheci, fazia calor e sol, seus olhos me olhavam, os meus brilhavam, estava ofuscada e as pessoas riam como sempre. nesse dia eu ia tomar o caminho de volta, só que acordei presa num sonho no qual é impossível chegar em qualquer lugar. conhecendo o sonho, desisti de voltar e fui ficando pelo meio da estrada, caminhei devagar e deixei você me alcançar.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

leitura corporal - opção 1

- deixa eu ler sua mão... você é uma pessoa que tem muito poder e, ao mesmo tempo, esse poder te faz muito frágil. você quer ser amado incondicionalmente. no entanto, você coloca uma série de condições para amar. você tem poucos amigos, se dedica bastante às suas amizades desde que seja correspondido. é sedutor e faz questão de conquistar pessoas exóticas, que possam alimentar a sua imaginação e constituir um desafio. tem um lado predador insaciável, que pode arrastar os incautos que cruzam seu caminho, mas tenta aquietar a sua fera (o que nem sempre consegue). se sente desafiado pela sociedade e pelas regras, por isso tenta frustrar as expectativas que os outros colocam sobre você, de modo que não se encaixa muito bem. gosta de causar estranhamento e ver até onde vão as relações das pessoas com você. ao mesmo tempo teme perder o amor, por isso foge quando se sente inseguro e quer sempre mais provas antes de se envolver. o temor da imprevisibilidade da vida ordinária te leva a organizar tudo ao seu redor. a organização do ambiente, o planejamento das suas ações, os rituais diários seguidos à risca, constituem uma rotina capaz de tranquilizá-lo. tem medo de se perder, se desordenar e, assim, perder o controle. cultiva seu direito ao isolamento e à tristeza, assim se sente mais preparado para lidar com as frustrações. a imagem que apresenta para a sociedade é de uma pessoa segura, tranquila e bela, desse modo espera que não o incomodem com questionamentos. você evita discutir qualquer coisa que considera importante com desconhecidos. apenas os escolhidos para se aproximar verdadeiramente de você conseguem perceber sua sensibilidade e a necessidade que tem de afeto. frequentemente os escolhidos acabam saindo machucados, pois você não coloca limites nas suas exigências. para você a vida é um jogo, no sentido de que nada está totalmente definido, você quer se sentir capaz de mudar. tem dificuldade de lidar com compromissos de longo prazo, porque não consegue comprometer sua liberdade. prefere sempre estar no controle, de modo que possa sair de situações que o façam sofrer. sua força pessoal vem da sua capacidade de envolver os outros, amá-los e fazê-los sentir-se especiais. sente muito prazer em agradar quem você gosta, é generoso e cuidadoso. também pode ser ciumento, exigente e cruel, esse é um aspecto da sua personalidade que tenta amenizar, porque sabe que pode afastar as pessoas que ama. no seu futuro eu vejo uma mulher, ou um homem, muito importante. essa pessoa vai te interessar por provocar uma ruptura drástica na sua vida, depois dela você vai perceber uma série de possibilidades que antes não estavam ao seu alcance. essa relação vai ser intensa e breve, pois essa pessoa também possui uma força tão intensa quanto a sua. isso pode assustá-lo, mas também o levará a querer estabelecer algum tipo de laço duradouro com essa pessoa. mesmo que essa história não seja tão longa, pois pode ser dolorosa para os dois, ela nunca será esquecida. em pouco tempo viverão experiências inéditas até então, isso trará cumplicidade e intimidade. você pode se sentir demasiado invadido e influenciado por essa pessoa, isso pode levar a um desgaste, pois você valoriza muito sua independência. De qualquer forma, vocês serão muito felizes juntos e terão uma relação de forte amizade e aprendizado mútuo. é isso que eu consigo ver por enquanto. 50 reais.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

o fim das coisas

quero saber onde está o fim das coisas, sem erro. quero saber hoje, ver no horário marcado, quero saber antes mesmo de conhecer a coisa.
não sei existir por mais de 2 horas seguidas. a cada par de horas algo morre e nasce, nunca se sabe o que será da próxima vez. os travesseiros permanecem no mesmo lugar, mas algo mudou. se eu soubesse onde está o fim das coisas, corria lá pra ver e entender alguma coisa antes que acabasse. algocoisafim é o que me apavora enquanto conto os minutos e fumo mais um.
observo as curvas, olhos embaçados de tanta amplidão, tento transformá-las em retas minúsculas sincronizadas. combinação segredo progressão sentido lei. levanto e crio a ordem das coisas que estão nas minhas mãos, é pouco. não há ordem perto do fim e do começo, nem mesmo dentro do quarto.
se eu abrisse a porta e os cães entrassem e dançassem com os pés sujos sobre o lençol. não saberia das coisasfim, mas elas não existiriam mais, pela sua própria incapacidade de se organizar e se ajustar ao tempo. se os cães sambassem corredor afora levariam as coisas com eles, e o que restaria?
abro e fecho a porta várias vezes para ver se algo acontece, os olhos estão inchados de tanto olhar o que ainda não se vê. abro e fecho os olhos e sei que algo chegou ao fim, ou vai chegar. cheiro de grama pisada. um vinco racha minha testa, olhando no espelho sei que ele nunca mais vai sair dali. é o fim de alguma coisa e o começo de outra, nunca se sabe bem quando nem o quê.

sábado, 1 de dezembro de 2012

sábado

mijo sem fim
cabeça doída
lábios carimbados
coração disparado

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

unha

de um dia pro outro as unhas começaram a rachar, uma aqui outra lá, depois todas. lembrou vagamente que a mãe dizia que se as unhas ficassem quebradiças, era sinal de algo errado.
pois quebravam e rachavam, camada por camada, dia-a-dia. antes longas e belas unhas, passaram a ser lixadas até o toco. mesmo os tocos lascavam.
sentia suas unhas vivas. as unhas pareciam ter vida própria e chocou-se por nunca ter pensado nisso.lembrou que as unhas dos mortos continuavam a crescer.
as suas cresciam ainda. até quando? talvez não devesse se preocupar com unhas que cresceriam mesmo após a sua morte.
ela, viva, crescia? rachava-se e abria-se camada por camada? dia-a-dia? talvez tivesse alguma coisa errada com ela, apesar de a mãe nunca ter relatado nada a respeito.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

crepúsculo e amanhecer

- é uma nóia!
sentada na calçada, paramédicos ambulância, cabelo loiro
cacarejam em volta outras nóias
gastas sob o sol recém-nascido, ficam vampirescas
os narizes apontando pra baixo e a nuca pra cima
passa outra com o mesmo perfume - ainda preciso de dinheiro pra pagar a babá
são quase oito da manhã, pode dar tempo

..............................................................................

ouço um grito abafado, não sei se é homem ou mulher
talvez homem, ou travesti
outro homem por cima bate na sua cabeça
tenta bater na parede e no chão, se embolam e no escuro apresso o passo
as portas dos inferninhos que nunca se fecham
nunca apagam
fluxo intenso de zumbis, alguns um pouco mais vivos
uma voz anasalada, um peitão duro - ih, se pegaram ali...
dou mais uma olhada
atrás de mim, os dois se agridem, não gritam, não xingam
espremem-se e tenho a impressão de que as carnes se descolam
obstinadamente se machucam numa massa indistinguível
ainda não sei quem apanha

...............................................................................

os homens andam entre as mulheres e as banquinhas
hot dog, bitucas de cigarro no chão, copos plásticos, garrafas, latas
taxistas, coxinhas, seguranças, sem-teto, nóias, parecem não perceber que o dia seguinte chegou
as mulheres paradas em grupos, ou andando em linha reta, algumas poucas ainda incertas
dificilmente fecham negócio essa hora
os homens andam em círculo, em torno das meninas
cerveja quente, água
Love story
catadores se adiantam




sábado, 17 de novembro de 2012

a vida da mala

antes de enfiar as coisas na mala
pensou onde a mala tinha ido da última vez, antes de estar guardada no armário
tinha ainda um papel de bala, um grão de areia
limpa, a mala parecia pronta pra outra
igualzinho da última vez
as coisas eram as de sempre: roupas calcinhas kit bucal desodorante
cada qual já tinha seu cantinho
catástrofe ou turismo não abalavam tanto a rotina da mala
aonde quer que ela fosse seria aberta na chegada
fechada (e mais apertada) na volta
esvaziada e guardada

no armário, dias ou meses depois num dia qualquer
quem sabe um brinco perdido
um chiclete vencido
uma pílula
isqueiro
caneta
ticket
ou só um grãozinho de areia de outro lugar
e um sorriso largo

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

a lua - outra versão

quando viram a lua ficaram sem falar um tempo, depois, em uníssono - uau
tanto um quanto o outro concordaram que nunca tinham visto algo tão lindo, apesar de lembrarem de já terem dito algo assim sobre a lua outras vezes
tinha também a temperatura do ar e um vento forte, e a luz branca na água preta
mais eles
- se tivesse uma câmera aqui
- eu tenho, mas não quero fotografar
- por quê?
- não vai ficar igual
- ah, fotografa e me manda
- prefiro lembrar do que fotografar
se beijaram um monte, o vento era quente. ficaram apaixonados no ato
no dia seguinte se separaram. nunca esqueceram aquela lua, naquela noite, com aquela pessoa. apesar de terem existido muitas outras luas, antes e depois.
o fim da história é desconhecido, talvez nunca mais tenha acontecido entre eles algo tão inesquecível quanto os minutos (horas, dias?) nos quais estiveram sob influência daquela lua.

domingo, 11 de novembro de 2012

a lua

quando viram a lua ficaram sem falar um tempo, depois, em uníssono - uau
tanto um quanto o outro concordaram que nunca tinham visto algo tão lindo, apesar de lembrarem de já terem dito algo assim sobre a lua outras vezes
tinha também a temperatura do ar e um vento forte, e a luz branca na água preta
mais eles
- se tivesse uma câmera aqui
- eu tenho, mas não quero fotografar
- por quê?
- não vai ficar igual
- ah, fotografa e me manda
- tá
fotografou. se beijaram um monte, o vento era quente. ficaram apaixonados no ato
no dia seguinte se separaram. ela mandou a foto da lua pra ele, se falaram algumas vezes
infelizmente a foto da lua não era boa, mesmo. nem um nem outro conseguia mais lembrar da lua daquele dia, só conseguiam ver a foto e saber que não era bem assim

sexta-feira, 1 de junho de 2012

o menino dos caminhos

Para ele tudo tinha o seu caminho, tudo tinha trajetória. Tudo mesmo, assim, absoluto.
Desenhava a família: ela seguia um caminho, cada quadro era uma parada e o caminho não acabava. Desenhava a escola: era um caminho cheio de esquinas. Desenhava livre e sua liberdade se achava nos caminhos labirintos. Desenhava o futuro, a felicidade, um retrato, uma paisagem, o sonho, a vida. Cada desenho era um caminho, por que mudar?
Cada caminho era diferente dos outros, nunca teve a preguiça de fazer um desenho igual. Ainda que ele pisasse sempre o mesmo asfalto, sempre a mesma calçada, atravessasse a rua sempre no mesmo ponto, de casa pra escola e da escola pra casa.

terça-feira, 6 de março de 2012

falei das flores

não tem mais catarse

ou de repente não é nada disso, é só bobagem cotidiana
de gente que tem medo de beber demais e morrer cedo
gente que fuma e tem medo de câncer
e a catarse tá ali dissolvida no dia pesado, nos gritos
nas risadas exaltadas
no corre-corre do busão
nas emoções via sms

a boba bancando a arrogante que não transa catarse
que transa amizades
e pequenas putarias
de vez em quando uns abalos
umas perguntas engatadas em outras
sem fim
querendo nunca ser medíocre, mas sendo
umas piadas e discursos exaltados
muitas palavras e temas pra escapar do inevitável, o seu pequeno tamanho
esse negócio de grande e pequeno é besteira e tal
é um belo exercício retórico, rende algumas gracinhas
que uso depois nas festinhas

é tudo inha
porque tinha que pagar a conta de luz no dia certo, pelo menos uma vez
arrumar mais um trampinho
ligar pra mãe
aspirar o pó
bobagem

e se não fosse a bobagem do dia vivo
o suor fedido na calçada, correndo
do que eu ia falar?
vou indo inha
pra lá e pra cá atrás de uns sonhos
um teto e umas ideias
vou falar do quê,
das flores?

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

vende-se ou troca-se por equivalente

vou botar minha moral na banca hoje, vende-se a preço de oportunidade
moral novinha, mas não se enganem, não é dessas levianas que mudam a torto e a direito
apesar de nova, minha moral é de tradição
descolada no falar e representar
trabalhada nas novas mídias
salpicada de ideias revolucionárias do século passado
daquelas que não assustam mais os casais
e cheia de opinião
quem quer?
é só hoje

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

bolha x não

eu não vivo numa bolha
minha não-bolha é árida, esturricada
mas não é desértica, é cheia de figuras secas e espinhudas
muitas delas vivas, outras meio mortas
eu vivíssima querendo que as coisas me amem ou me odeiem

às vezes as coisas não querem sequer te odiar
na minha não-bolha as pessoas também me ignoram
nem percebem que estão lá
esse é meu maior pavor, os que ignoram a não-bolha e eu

eu toda agulha querendo explodir as bolhas alheias
por egoísmo mesmo, queria que todos sentissem e falassem
mas me ignoram e é a melhor maneira de preservarem seu mundo-bolha
dentro da não-bolha não se pode simplesmente esquecer

o meu lugar explodido
seco e habitado por seres e coisas
me proíbe de colorir o que é morto
me proíbe de ignorar o que é vivo

essas são as regras fundamentais da não-bolha
são duras e belas

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

o que não tem remédio

tudo morre, é certo. morre sim
se deixar quieto, morre. se agitar, morre
se espremer, morre bem rapidinho
se molhar demais, morre também

o jeito é deixar morrer, quando tá morrendo
ainda que os limites entre o ressuscitável e o morto suscitem dúvidas
uma vez morto, tá morrido
o jeito é deixar morrer em paz

chorar o morto e se jogar na cova
berrar e se agarrar ao corpo
cantar hinos e ladainhas
tudo pode e nada adianta

tudo morre, é certo. morre sim
se molhar demais, morre também

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

dia-a-dia

num dia tropeço
no outro levanto
num dia eu peço
no outro eu canto

num dia despeço
no outro eu tanto
num dia sucesso
no outro descanso

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

tum tum

eu tenho um coração
está confirmadíssimo
dia desses ele bateu todo errado

coração que não dispara não presta
é morto da silva
precisa de um susto

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

enquanto isso no reino de mariana

o sol nasce e esquenta a todos
todos se estendem em suas esteiras e cangas próprias
todos bebem e riem nas beiras dos mares e das piscinas
nas mesas os banquetes esperam pelos esfomeados
o sonho do proletariado é realizado

enquanto isso, mariana não se satisfaz
em seu reino não se espera que a comida brote nas mesas
não se estende simplesmente ao sol sem sombra de dúvida
a rainha mariana suspira ao contrário
e penso no que pensa

no reino de mariana sempre é tempo de imaginar
ainda que o estômago esteja cheio
ainda que o sol esteja quente
ainda que a água esteja ótima
ainda que a cerveja esteja gelada

nesse meio de tempo - o tempo é sempre um meio pra ela
ela constrói incontáveis histórias - histórias são construções, sim senhor
entre um momento e outro ela reserva um tempo pra construir
quem vê mariana imagina o que ela faz naquele lapso
é numa nesga de tempo que tudo se faz

e não ousem perturbar a rainha mariana no seu tempo
ela manda cortar nossas cabeças com um gesto
não que seja cruel, pelo contrário
apenas sabe que suas construções são obras sérias
suas obras são seu reinado

se a rainha mariana imaginasse o que seus súditos imaginam
se ela soubesse os comichões que nos provoca
talvez ela saiba, talvez
que imaginamos as suas histórias
que rabiscamos rascunhando aqui e ali

rascunhar é um delito bom de cometer
é feitiçaria e descobrimento
colhidos da despretensão dessa rainha louca, mas não é bem isso
não é possível desvendar o reino construído por mariana
não é bem isso, não