sexta-feira, 26 de agosto de 2011

sobre cães, gatos e borboletas

eu gostaria de lembrar agora do barulho que as borboletas fazem quando se encontram no ar e suas asas (sempre batendo) estão próximas. eu até me lembro do som, mas daqui dessa distância não posso ver as suas cores inimagináveis.
eu lembro também da cafungada dos cães quando dormem profundamente, dos espasmos e latidos abafados pelo sono. têm uma carinha atenta de quem corria em outros pastos quando acordam no meio do sonho, igual a mim.
queria ter uma gata manhosa em cima da minha barriga, ronronante e bigoduda. os gatos são pouco indiferentes, ao contrário do que os humanos dizem deles. eles só não aceitam qualquer coisa, eu lembro daquela gata.
lembro dos bons animais, mas mais que isso lembro da moça que pode olhar pra eles e vê-los. que pode lacrimejar diante de um sonho de cachorro e sentir o peso leve do gato sobre a barriga, sem exigir que eles a amem igualmente.
e o que pensar das borboletas tão lindas e rápidas que voam sem rumo definido? difícil mesmo é ignorá-las, assim como fixá-las e saber o seu tamanho exato, as suas cores e os detalhes dos seus recortes rendados. as borboletas são amadas rapidamente e intensamente, porque não é possível pegá-las nas mãos, nem acariciá-las, nem mesmo saber direito o que tinham de tão especial.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

ooops, vomitei

nem foi a cachaça mano
a cachaça foi a melhor parte da coisa acabou ajudando mas nem foi ela a culpada
nem foi
a culpa foi mais sua que foi revirar meus bofes e me encher com suas ladainhas
devia saber que tinha esse cozido lá esperando pra sair
um picadinho à paulista vencido
doido pra saltar fora
aí você me enfia o dedo e outras coisas goela abaixo
eu sei que pareceu uma armadilha
e foi
eu armei essa pra você sem saber muito bem o resultado
sem querer saber
sem saber direito da armação
era necessidade
precisão
baby
odiou essa de baby?
eu sei
baby
não enche meu saco
ainda mais sem cachaça imagina sem cachaça eu não aguento
sem vômito também não dá mais
tudo que for engolido será devolvido
meu estômago revirou-se mas a culpa não foi da cachaça
ela é só uma companhia legal
honesta
a gente sabe o que esperar dela e ela sempre corresponde
baby
ooops

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

umidade zero

meu nariz coça, assim como os olhos e a boca
penso que seja o tempo seco, o ar que estraçalha minhas fossas nasais
o ar, o ar parece tão inocente
o sol é lindo e ontem teve até lua
acordei tão irritada que a culpa só pode ser do ar
tudo está bem, eu estou bem
tomei café, comi torta de limão e fumei um cigarro
mas nada parece tão bem
meus olhos querem se fechar e dormir uns dias
talvez comida japonesa ajude
não sei
talvez eu pudesse conhecer alguém, ou visitar alguém
talvez eu vá até o traficante mais próximo fazer meus pedidos
me manda um baseado, umas armas e um adulto interessante
- tá certo madame, só vô ficá devendo o adulto
então deixa
deixa o adulto pra lá, me manda um pirralho interessante
- posso substituir por alguma arma branca de sua preferência?
meu nariz volta a coçar e não sei porque isso me irrita tanto
sabe, lavar o banheiro me deixaria mais calma
os pés descalços na água fria, no piso frio,
o detergente e o desinfetante
água e banho
mas não posso agora, agora só posso me coçar e beber água
pensei que seria uma boa colocar vodka na garrafa de água, igual aos bêbados no metrô
quem não é bêbado não pensa que é proibido beber no metrô
quem não bebe não pensa em substituir a água por cachaça
eu trocaria agora
e cantaria roberto carlos
eu não posso mais ficar aqui a esperar, que um dia de repente você volte para mim
vejo caminhões e carros apressados a passar por mim
estou sentado a beira de um caminho
que não tem mais fim

ah robert, eu cantaria com você hoje
e tomaria uma
é esse ar seco

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

inspiração à revelia

Por vários dias eu escrevi sobre você, ou a partir de você e da sua voz ou respiração. Quase tudo que eu vi através de você precisou sair de mim e virar palavra, virar inspiração, porque era o que eu tinha pra te oferecer. Parece bonito, e foi, mas você reclamou da minha falta de concretude. Eu achava minhas palavras bastante concretas, você achava pouco.
Aí eu parei de escrever. Engraçado esse movimento de abrir mão da palavra em busca de outra coisa. Minha busca continuou a ser sua respiração, seu olhar, sua voz, mas também suas mãos. Passou a ser cada vez mais seu hálito, boquinha pequena e dedos longos. Esses temas gerariam muitos textos e palavras, mas preferi guardar todas em mim. Uma proximidade de carne e alma fugaz e lá se foi a poesia escrita.
Agora voltei a escrever. Tô aqui, longe do que gostaria de experimentar e guardar na minha pele. Engraçado como meu eu concreto de repente deixou de te interessar. Mais engraçado ainda é a volta da palavra, quase sempre ela vem me salvar da ausência. Então é isso, preferia ficar sem a inspiração poética, mas ela me consola na sua falta. Assim como as promessas (que também um dia fiz) de que logo estaremos perto.
Antes que você pergunte, sim, é um recado pra você. E sim, estou explorando você pra alimentar minha inspiração, de novo. Mas dessa vez preferia me calar.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

consciência de si - 1,99

Entrei na lojinha porque precisava de alguns badulaques. Fiquei olhando o que ela tinha pra oferecer e acabei me decidindo pelos itens mais necessários e só. Peguei um espremedor de alho e procurava um abridor.

- Moço, tem abridor de lata?
- Tem sim, esse aqui ó.
- Hum... tem aquele outro mais simples, menor?
- Deixa eu ver. Não tem não, já acabou. Mas esse é bem melhor, tem o cabo mais longo e é melhor mesmo.
- Tá bom, então. Vou levar esse, é só passar no caixa?
- É.
- Ah, um espremedor de batatas... Se bem que eu não uso muito.
- Esse aqui é ótimo, é de inox.
- Putz, 19 reais é caro pra amassar as batatas - risos.
- Também tem do outro, desse material mais barato - ele disse isso apontando pro meu espremedor de alho.
- Vamos ver - achei que ele tava me provocando.
- É esse aqui, mas eu pessoalmente não uso isso aí não. Na minha casa eu tenho o outro, de inox.
- Ah, é? Eu não vou levar nenhum dos dois. Não me dedico muito aos utensílios domésticos.
- E o espremedor de alho, vai levar esse aí mesmo?
- Vou ver o outro. De inox, né? que você acha melhor.
- É esse aqui, é bem melhor.
- Ah, tem que ser melhor mesmo. Custa cinco vezes mais. Vou levar o mais pobre mesmo, não espremo tanto alho assim.
- A senhora que sabe - ele fez uma carinha de desdém.

Na fila do caixa fiquei pensando porque ele comprava os itens mais caros, supondo que fosse verdade. Não sou nenhuma rica, pelo contrário. Mas ele também não deve ganhar nenhuma fortuna vendendo itens a partir de 1 real. Um espremedor, mesmo vagabundo, dura alguns anos. Assim como o abridor de latas, só comprei outro porque o primeiro ficou com o ex. Ele continuava me olhando de longe, com aquela cara que estampava um pensamento claro: pobre e ignorante em termos de utensílios. Eu pra me defender, pensava que eu sou uma pseudo-intelectual, recepcionista e atriz. Francamente tenho mais o que me preocupar do que o custo-benefício do espremedor de alho. Nem fico em casa tempo suficiente pra usar o abridor de latas. Além do mais, tenho que investir meu dinheirinho que sobra em livros, os quais não terei tempo suficiente pra ler. Mesmo assim, meus livrinhos me confortam, ah confortam sim. Eles me deixaram mais tranquila em relação ao vendedor e humilhador de donas de casa menos favorecidas. Sou pobre, mas tenho conhecimento, ou pelo menos tenho livros que lerei um dia.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

bruxismo

hoje acordei com as bochechas mordidas, de novo
sou eu mesma que mordo e mordo e acordo assim, sentindo que algo ruim aconteceu durante a noite
e acordo com sono, sempre
queria poder dormir um pouco mais
queria não me morder
eu só mordo a minha bochecha, não distribuo minhas mordidas por aí
poderia, mas não
eu reclamo e tal, mas meu humor não é dos piores
e sou feliz
boazinha também
eu deixo as pessoas me culparem pelos mais diversos motivos, quase nunca tenho coragem de dizer: isso é problema seu
acho que não digo isso faz muito tempo
é que prefiro não me intrometer no auto-conhecimento alheio
que se não for auto, não vale
não quero estragar nenhum auto-conhecimento com minhas opiniões
sabe como é, opinião alheia a gente primeiro recusa
e depois xinga
e depois esquece e faz tudo de novo
eu fico quietinha, não quero que ninguém me odeie
não quero odiar ninguém também
eu odeio perder a paciência com as pessoas
com as pessoas que estão perto
que suam e choram perto de mim
eu amo essas pessoas e não quero me intrometer
eu detesto intromissões
prefiro morder minhas bochechinhas, elas se regeneram rapidamente