sexta-feira, 23 de novembro de 2012

unha

de um dia pro outro as unhas começaram a rachar, uma aqui outra lá, depois todas. lembrou vagamente que a mãe dizia que se as unhas ficassem quebradiças, era sinal de algo errado.
pois quebravam e rachavam, camada por camada, dia-a-dia. antes longas e belas unhas, passaram a ser lixadas até o toco. mesmo os tocos lascavam.
sentia suas unhas vivas. as unhas pareciam ter vida própria e chocou-se por nunca ter pensado nisso.lembrou que as unhas dos mortos continuavam a crescer.
as suas cresciam ainda. até quando? talvez não devesse se preocupar com unhas que cresceriam mesmo após a sua morte.
ela, viva, crescia? rachava-se e abria-se camada por camada? dia-a-dia? talvez tivesse alguma coisa errada com ela, apesar de a mãe nunca ter relatado nada a respeito.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

crepúsculo e amanhecer

- é uma nóia!
sentada na calçada, paramédicos ambulância, cabelo loiro
cacarejam em volta outras nóias
gastas sob o sol recém-nascido, ficam vampirescas
os narizes apontando pra baixo e a nuca pra cima
passa outra com o mesmo perfume - ainda preciso de dinheiro pra pagar a babá
são quase oito da manhã, pode dar tempo

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ouço um grito abafado, não sei se é homem ou mulher
talvez homem, ou travesti
outro homem por cima bate na sua cabeça
tenta bater na parede e no chão, se embolam e no escuro apresso o passo
as portas dos inferninhos que nunca se fecham
nunca apagam
fluxo intenso de zumbis, alguns um pouco mais vivos
uma voz anasalada, um peitão duro - ih, se pegaram ali...
dou mais uma olhada
atrás de mim, os dois se agridem, não gritam, não xingam
espremem-se e tenho a impressão de que as carnes se descolam
obstinadamente se machucam numa massa indistinguível
ainda não sei quem apanha

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os homens andam entre as mulheres e as banquinhas
hot dog, bitucas de cigarro no chão, copos plásticos, garrafas, latas
taxistas, coxinhas, seguranças, sem-teto, nóias, parecem não perceber que o dia seguinte chegou
as mulheres paradas em grupos, ou andando em linha reta, algumas poucas ainda incertas
dificilmente fecham negócio essa hora
os homens andam em círculo, em torno das meninas
cerveja quente, água
Love story
catadores se adiantam




sábado, 17 de novembro de 2012

a vida da mala

antes de enfiar as coisas na mala
pensou onde a mala tinha ido da última vez, antes de estar guardada no armário
tinha ainda um papel de bala, um grão de areia
limpa, a mala parecia pronta pra outra
igualzinho da última vez
as coisas eram as de sempre: roupas calcinhas kit bucal desodorante
cada qual já tinha seu cantinho
catástrofe ou turismo não abalavam tanto a rotina da mala
aonde quer que ela fosse seria aberta na chegada
fechada (e mais apertada) na volta
esvaziada e guardada

no armário, dias ou meses depois num dia qualquer
quem sabe um brinco perdido
um chiclete vencido
uma pílula
isqueiro
caneta
ticket
ou só um grãozinho de areia de outro lugar
e um sorriso largo

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

a lua - outra versão

quando viram a lua ficaram sem falar um tempo, depois, em uníssono - uau
tanto um quanto o outro concordaram que nunca tinham visto algo tão lindo, apesar de lembrarem de já terem dito algo assim sobre a lua outras vezes
tinha também a temperatura do ar e um vento forte, e a luz branca na água preta
mais eles
- se tivesse uma câmera aqui
- eu tenho, mas não quero fotografar
- por quê?
- não vai ficar igual
- ah, fotografa e me manda
- prefiro lembrar do que fotografar
se beijaram um monte, o vento era quente. ficaram apaixonados no ato
no dia seguinte se separaram. nunca esqueceram aquela lua, naquela noite, com aquela pessoa. apesar de terem existido muitas outras luas, antes e depois.
o fim da história é desconhecido, talvez nunca mais tenha acontecido entre eles algo tão inesquecível quanto os minutos (horas, dias?) nos quais estiveram sob influência daquela lua.

domingo, 11 de novembro de 2012

a lua

quando viram a lua ficaram sem falar um tempo, depois, em uníssono - uau
tanto um quanto o outro concordaram que nunca tinham visto algo tão lindo, apesar de lembrarem de já terem dito algo assim sobre a lua outras vezes
tinha também a temperatura do ar e um vento forte, e a luz branca na água preta
mais eles
- se tivesse uma câmera aqui
- eu tenho, mas não quero fotografar
- por quê?
- não vai ficar igual
- ah, fotografa e me manda
- tá
fotografou. se beijaram um monte, o vento era quente. ficaram apaixonados no ato
no dia seguinte se separaram. ela mandou a foto da lua pra ele, se falaram algumas vezes
infelizmente a foto da lua não era boa, mesmo. nem um nem outro conseguia mais lembrar da lua daquele dia, só conseguiam ver a foto e saber que não era bem assim