quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Breve esclarecimento

Às vezes penso que deveria ser mais clara. Escrevo confusamente, atropeladamente e sem vírgulas. Ou confusamente, atropeladamente, cheia de vírgulas e dois pontos.
Sim, sei onde colocar a maioria dos sinais. Os sujeitos, as ações, os complementos... sei.
A fala que vem louca às vezes me obriga a ignorar todas as regras. As gramaticais, principalmente. A escrita vem qual fala, louca. Às vezes penso que deveria escrever mais claramente.
As idéias vêm qual fala, ímpeto e improviso. Tenho pena de matar o seu fluxo natural. Não tenho coragem de amputá-las de seus ritmos, que são parte de suas vidas.
As idéias nunca são puras e limpas, pelo menos as minhas. Principalmente quando se fala da chamada realidade. Como organizá-la em orações? Como organizá-la sem colaborar para uma maior desapropriação da realidade? Como organizar sem mentir?
As idéias, as palavras, a escrita se apresentam assim e eu as reapresento assim, às vezes assado. Sempre que possível assim mesmo.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tumbeiro

O navio parte da estação corinthians-itaquera lotado. A essa altura atulha os que cabem, que vieram de outras estações. O alto falante diz que fiquem à direita, que fiquem à esquerda, que permaneçam nos corredores, que respeitem os assentos. Eles não entendem essa língua, permanecem mudos. Seguem mudos até o destino, onde são despejados para limpar a sujeira dos outros, fazer a comida dos outros, construir a casa dos outros, ganhar o dinheiro dos outros. Continuam sem entender a língua, porém entendem o que devem fazer.
Os seus donos têm o direito de usufruir de suas vidas por no mínimo oito horas diárias, uma vida inteira. Hoje vivem muito mais que antes e podem ser dispensados de sua função a qualquer momento. Os proprietários não precisam mais vendê-los, basta colocá-los para fora (nenhuma responsabilidade). Os tumbeiros também mudaram, as viagens que duravam três meses, agora duram a vida toda.
No entanto, os tumbeiros continuam matando, não se sabe exatamente porque. Uns dizem suicídios, os incrédulos dizem assassinatos. Não se sabe se se jogam, se são empurrados, se caem... Não se fala no assunto claramente, não se sabe. Não sabemos se não suportam mais e decidem morrer ou se não têm opção. O alto falante diz: usuário na linha. Não entendem a língua, mas pela recorrência sabem que ao ouvir essa fala seu dia será ainda pior.