terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tumbeiro

O navio parte da estação corinthians-itaquera lotado. A essa altura atulha os que cabem, que vieram de outras estações. O alto falante diz que fiquem à direita, que fiquem à esquerda, que permaneçam nos corredores, que respeitem os assentos. Eles não entendem essa língua, permanecem mudos. Seguem mudos até o destino, onde são despejados para limpar a sujeira dos outros, fazer a comida dos outros, construir a casa dos outros, ganhar o dinheiro dos outros. Continuam sem entender a língua, porém entendem o que devem fazer.
Os seus donos têm o direito de usufruir de suas vidas por no mínimo oito horas diárias, uma vida inteira. Hoje vivem muito mais que antes e podem ser dispensados de sua função a qualquer momento. Os proprietários não precisam mais vendê-los, basta colocá-los para fora (nenhuma responsabilidade). Os tumbeiros também mudaram, as viagens que duravam três meses, agora duram a vida toda.
No entanto, os tumbeiros continuam matando, não se sabe exatamente porque. Uns dizem suicídios, os incrédulos dizem assassinatos. Não se sabe se se jogam, se são empurrados, se caem... Não se fala no assunto claramente, não se sabe. Não sabemos se não suportam mais e decidem morrer ou se não têm opção. O alto falante diz: usuário na linha. Não entendem a língua, mas pela recorrência sabem que ao ouvir essa fala seu dia será ainda pior.

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