quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Dias felizes

Ele me levava pra pescar, mas antes eu o ajudava a pegar as minhocas e acomodá-las em latas de massa de tomate.
Ele pedia silêncio pra pescar, então eu ficava quietinha com minha vara na água esperando algum peixe beliscar.
Eu mesma colocava a minhoca no anzol pra ele não achar que eu era mulherzinha.
Eu era craque em pegar lambaris espertinhos e minúsculos.
Era eu quem tirava os peixes do meu anzol e colocava no covo, ele só olhava com o canto do olho.
Quando fisgava um bagre chorão ele vinha correndo me ajudar, porque o danado corta se colocar a mão.
E me salvava do peixe malvado com seu canivete poderoso.
Umas 10 hs da manhã a gente já estava com fome e ele sacava um pão com mortadela.
Aproveitava pra me ensinar a não deixar lixo na beira do rio e depois recomeçava a pescaria.
Eu torcia prum peixão beliscar o anzol dele, porque ele adorava uma boa briga.
Nessas ocasiões sempre tinha mais gente, mas parecia que éramos só nós dois.
Porque só eu levava o silêncio e os peixes a sério como ele, só eu conseguia fisgar os mini-lambaris, só eu colocava a minhoca direitinho no anzol, dispensava o cuzinho e deixava a cabeça na ponta.
Nessas ocasiões eu era o orgulho do papai e esses eram meus dias mais felizes.

terça-feira, 28 de agosto de 2007

caixas

caixas de presente empilham-se na sala
nas mesas e cadeiras
embaixo da cama
caixas de passado empilhadas há tempos por todos os lados,
empoeiradas, cerradas e remexidas
até na geladeira junto com o leite velho
caixas de pandora/futuro no fundo de algum armário obtuso
ocluso
o leão, a feiticeira e o guarda-roupa esperam a menina
a esperança acena

Barlavento v.2

ativa superfície vê se ao longe
Desperta sob fluido rosa
desvia vida
Sobe infinito desce, lenta tortura
ajuda
Evitar.
Cabeça feita.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

o tempo passa, o tempo voa, e a poupança bamerindus continua numa boa...

Teve um tempo em que tudo estava tão longe de mim que eu não via possibilidade de mudança.
Teve um tempo que eu ouvia "tudo pode ser, se quiser será; sonho sempre vem pra quem sonhar" e sonhava em ser paquita.
Teve um tempo que eu inventei de ser economista, influência de um namorado normal que eu tinha na época.
Teve um tempo que eu tinha vergonha de desejar ser outra coisa.
Teve uma vez que me apaixonei por um rapaz de barba por fazer e camiseta do che guevara.
Teve um tempo em que eu era mais forte que meu irmão.
Teve uma época que eu enchia a cara de vinho vagabundo e chorava ouvindo legião urbana.
Teve uma época que eu era a madrasta da cinderela.
Teve uma época que eu assistia desenho de manhã e ana maria braga a tarde inteira.
Teve um tempo que eu vivia sem saber o que fazer, esperando que algo acontecesse.
Teve um tempo que eu tinha uma galinha em casa, ela se chamava sara lee.
Teve um tempo que eu achava que um dia alguém ia descobrir que eu era muito talentosa.
Teve uma época que eu morava com minha família numa casa de dois cômodos.
Teve uma época que eu tinha todos os avós.
Teve uma época que eu beijava a cidade inteira, mas não dava pra ninguém.
Teve uma vez que bati na cara de uma pessoa que eu amava.
Teve um tempo que eu dormia até às 11 e meia todo dia e acordava cansada.
Teve uma vez que achei que ia morrer, mas não lembro direito.

É, o tempo passa.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

noite de festa

Descia zigue-zagueando a nestor pestana, as pernas pesadas do vinho tinto seco chileno.
Zigue-zagueava em alta velocidade na rua das putas, ou pelo menos tentava. O cheiro de buceta da nestor a incomodava, não que se incomodasse com os puteiros, pelo contrário. Achava puteiro uma coisa honesta, simpatizava até, vendia sexo pra quem tinha dinheiro e vontade de comprar, mais direto impossível. Divagava e zigue-zagueava.
Voltava sozinha pra casa depois de mais uma noite de comemoração, era aniversário da amiga do amigo do amigo e uma ocasião dessas não poderia passar em branco. Tomaram muito vinho chileno e prosseco nacional, agora a cabeça girava e as pernas pesavam. E a nestor pestana parecia interminável.
No fim da rua ficava sua casa, lar doce lar, onde um colchão jogado no chão e uma TV em cima de uma caixa a esperavam. Que mais precisava? Uma cama, uma TV e uma comemoração de vez em quando.
Enquanto zigue-zagueava pela nestor, lembrava da discussão na mesa do bar, alguém tinha resolvido ser sincero e falar as verdades que todos calavam. Ela via a discussão e não conseguia entender, foi mais ou menos nessa hora que tudo começou a girar. Na mesa ninguém se ouvia, ela ouvia tudo e não entendia nada, porque estavam tão zangados? Aquelas bobagens ela já tinha ouvido em várias ocasiões, um sempre falava do outro quando o outro não estava, eles não sabiam disso? Girava, enjoava e não entendia mais nada. Não eram amigos, afinal? Levantou e foi embora, não se interessava pelo fim daquilo.
Chegando em casa fez o de praxe, tirou a roupa que cheirava a cigarro e jogou dentro do armário bagunçado, escovou os dentes e deitou. Levantou, vomitou o vinho tinto, o prosseco, as torradas de alho com sardela e voltou a deitar sem escovar os dentes. Dormiu um sono estranhamente tranquilo, nenhum sonho bêbado.
Acordou cedo, que era dia de trabalho, a cabeça ainda pesada do prosseco, as pernas moles do vinho. Sempre acabava se arrependendo dessas noitadas no meio da semana. Tomou um banho pra acordar e tirar o cheiro de fumaça do cabelo, vomitou uma gosma verde, escovou os dentes, escolheu uma roupa qualquer entre as menos amassadas e foi.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Argumentos

- Mas você está racionalizando um impulso seu e transformando em argumento.
- Sim, e você está fazendo o quê?

argumento:
1 - Rubrica: termo jurídico.
razão, raciocínio que conduz à indução ou dedução de algo
2 - prova que serve para afirmar ou negar um fato
3 - recurso para convencer alguém, para alterar-lhe a opinião ou o comportamento
4 - disputa de palavras; contenda
5 - aquilo que constitui um assunto; temática

e eu acrescento mais uma:
6 - racionalização de impulsos com a intenção de convencer o interlocutor.

astral do dia

Aquário

Tire as próximas semanas pra encarar medos, temores e aprender mais a respeito de seu psiquismo. Aprender a perder e abrir mão do que é acessório em sua vida são pontos fortes da passagem do Sol por Virgem, que começa hoje. Em destaque: finanças, dividas, heranças.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Ponto de ônibus

Tem poucas coisas mais chatas do que ponto de ônibus, afinal nele a gente espera e esperar é uma coisa muito chata, pelo menos pra mim. Infelizmente eu passo por esse tormento todos os dias, espero em média 20 min por um ônibus normalmente lotado.
O meu ponto de ônibus é na 9 de julho, parada INSS, quem já esteve lá sabe que não é um local confortável, fica no meio da 9 de julho e nem tem banquinho pra aliviar a espera.
Todo dia fico torcendo pro meu ônibus passar logo e hoje esperei uma meia horinha, motivo de sobra pra eu ficar irritada. Eis que estava mal-humorada, provavelmente com a cara amarrada, quando uma senhora começou a falar comigo. Pra começar eu nem tinha visto quem estava do meu lado, tomei um susto quando ela começou a falar.
- Sabe que eu acho você muito bonita?
- É mesmo? Obrigada.
- Você sempre pega o vila olímpia, né?
- Pego.
- Ontem mesmo eu tava comentando em casa como acho você bonita, as pernas bem torneadas... outro dia você estava de vestido, fica bem, viu? E tem o rosto muito bonito também, não usa muita maquiagem, tá sempre arrumada. O pessoal de casa perguntou se você poderia ser modelo e eu disse que achava que a idade não dava mais.
- É, realmente não dá.
- Olha, eu não sou sapatona, não! É que gosto de ficar observando as pessoas no ponto de ônibus e sempre vejo você aqui. Você é bonita mesmo, viu? Esse é meu ônibus, tchau!
- Tchau, obrigada.
E eu fiquei com cara de tacho e vermelha, claro. Não sabia o que dizer praquela senhora tão simpática e bem disposta, ela me via sempre, até no vestido ela reparou e eu nunca a tinha visto ali. Talvez não me lembre do rosto dela se a encontrar amanhã, tomara que eu lembre porque ela merece. Eu que não mereço muito que ela olhe pra mim, sempre fico mal humorada e preocupada com o horário, eu sou atriz e não observo ninguém no ponto de ônibus, eu sou jovem mas não tenho disposição pra ficar de conversa com desconhecidos, dentro do ônibus fico irritada e olhando pela janela quando alguém tenta puxar papo. Sou uma chatona contaminada pelo frenesi da vida moderna, apressada e indiferente. Odeio admitir, tento evitar, mas sou assim.
Mesmo que amanhã eu não me lembre do rosto da tal senhora, mesmo que nem tenha perguntado o nome dela, mesmo que eu continue sendo idiota vou lembrar do que ela fez por mim. Por culpa dela meu dia começou bem, fiquei animada com os elogios despretensiosos e com o bom humor dela.
E mesmo que nunca tenha comentado sobre ela em casa, fica aqui minha homenagem.

blog da peça

Como havia dito outro dia num dos posts, resolvi fazer um blog pra peça nova.
Vou tentar administrar os dois, vamos ver no que dá.
Então povo, o link está aí na lateral, tão vendo? É só clicar em cima e um novo mundo se abrirá, internet não é coisa mágica?
Aguardo visitas e comentários, beijossss.

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

tudo

Enquanto esperava o que ia acontecer, pensava nas possibilidades daquele novo futuro, pensava no futuro pois não conseguia lembrar do passado. Tudo que tinha acontecido perdera a importância de repente, e mesmo que quisesse não podia lembrar, o passado era nebuloso diante daquele nada que a rodeava e preenchia. Nunca tinha entendido o nada, era muito diferente do que ela supunha, parecia mais com cheio do que com vazio. Talvez não fosse nada afinal, é que não sabia como chamar isso que era agora. Parecia mais com tudo porque não havia falta, mas não era palpável como sempre fora sua vida concreta.
Esperava sem ansiedade o momento da mudança, porque sabia que por dentro estava cada vez mais parecida com fora, num movimento crescente e acelerado. Não sabia o que ia acontecer, esperava sem saber o quê e era como se soubesse.
Num momento qualquer percebeu que não estava mais entre as paredes do velho apartamento, estava em lugar nenhum. Não era como imaginava o espaço, que era o que pensava que havia fora dos limites do mundo que conhecia, era claro e não tinha nenhuma estrela pra distrair. Lembrou vagamente da ansiedade que sentia quando ia pra algum lugar que não conhecia, do medo de se perder. Não tinha mais medo de nada. Os pensamentos nem pareciam mais pensamentos pois não havia esforço, as idéias desabrochavam lentamente.
Tudo que era concreto tinha desaparecido, inclusive seu corpo, não conseguia se separar daquele nada/tudo. Não conseguia entender onde terminava ela e começava o resto e essa era a melhor sensação que podia existir, sentia-se completa e nem sabia mais se era uma pessoa. E pela primeira vez saber não era importante, saber não era nada. Não sabia qual era o próximo passo. Não sabia quanto tempo ia levar. Não sabia nada e não precisava entender nada.
Percebeu que saber era uma grande bobagem, que tinha perdido muita vida por querer saber tudo com antecedência. Agora não queria saber mais nada e por isso mesmo entendia tudo, era tudo e vivia aquilo que era naquele momento.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

nada

Voltava pra casa depois de duas semanas fora, tinha precisado de umas férias da própria vida, mas já sentia saudades de casa. Não há lugar como nosso lar, descia a rua lembrando de Dorothy e quando viu já estava em frente seu prédio.
Abriu a porta e sentiu aquele cheiro conhecido, de cera misturado com desinfetante. Engraçado como lembramos dos cheiros, ainda lembrava do cheiro da escola na primeira série e sempre que sentia aquele cheiro, que nem sabia identificar, era transportada pra aquela época.
Entrou no elevador antigo e mais uma vez teve medo que ele parasse de repente entre os andares, apesar de nunca ter parado com ela era insuportavelmente lento. Décimo terceiro andar era o dela, sã e salva. O corredor era comprido e cheio de portas, numa delas estava sua casa. Não há lugar como nosso lar. Na sua porta, o tapete colorido e brega parecia gritar algo sobre a dona da casa. Chave na fechadura e a pressa de tirar os sapatos e fazer um xixi, porque não conseguia mijar calçada.
Abriu a porta e... nada. Nada, como assim nada? Tudo vazio, a cama, a TV, fogão e até a geladeira tinham sumido. O apartamento estava vazio, como ninguém viu levarem os móveis? Aquilo era um absurdo, saiu rumo ao apartamento do zelador.
Abriu a porta e... o corredor tinha sumido, todas as 20 portas do corredor tinham sumido e no lugar havia nada, um nada que não conseguia conceber. Agarrou a fechadura com medo de cair no nada e voltou pro apartamento que continuava ali.
Pensava nas possibilidades de aquilo ter acontecido, era impossível, contrariava todas as leis da física, química, matemática e toda essa merda que só serve pra dar uma falsa segurança pra quem segue leis imutáveis. Onde estavam as leis agora? Foi abrir a janela e o que viu era estranho, nada estava ali.
Ela estava louca! Claro, era muito mais provável que ela tivesse pirado do que o mundo desaparecer, ela estava louca e não conseguia perceber, por isso sentia-se normal. Afinal todo louco deve se achar normal, não conhecia nenhum louco de verdade, mas achava que era assim. Ou talvez tenha sido louca a vida inteira e a realidade era aquela, porque nunca se sentira tão lúcida. Ou era uma viagem de ácido, dizem que pode voltar a qualquer momento, apesar de nunca ter tido esse tipo de viagem. Vai ver era isso, só uma viagem de ácido de uma pessoa totalmente normal. Ou o mundo tinha desaparecido mesmo. Àquela altura do campeonato não conseguia saber qual hipótese era mais sem sentido.
Por que o apartamento continuava ali, com seus cômodos vazios e portas que davam pra lugar nenhum? Não era lógico. Aliás a lógica nada mais era do que uma piada, agora. Não tinha relógio e não sabia mais há quanto tempo tinha chegado, e pra que queria saber? Mania de querer ser organizada quando não era, nem sequer tinha relógio.
Sentou no chão, mas percebeu que não estava cansada, aliás estava muito bem disposta apesar de tudo. A fome também tinha passado, um alívio já que nada havia pra comer. Nem pra beber, nem pra distrair, nem pra falar. A bolsa ainda estava no corredor da entrada, abriu e viu que estava tudo ali, o lap top, necessaire, carteira, ob, crachá, celular, bala e papéis soltos que nem sabia de onde eram. De repente sentiu que aquilo tudo não lhe pertencia mais, foi até a janela e jogou tudo pelo ar/nada e foi lindo ver tudo que ela era voar em direção ao nada.
Olhava pela janela e se sentia livre, tão livre como nunca tinha sentido, até então não sabia o que era liberdade. Aliás, aquilo que sentia não tinha nome, por isso chamava de liberdade, apegada à necessidade de nomear as coisas. Que bobagem inventar um nome praquilo que estava sentindo se era só ela que ia saber o que era, e ela não precisava de nome pra entender, entendia com a alma. Que aliás também é um nome bobo pra uma coisa que não sabemos o que é. Entendia tudo agora.
Tentou pensar nas outras pessoas que conhecia, será que estavam passando pelo mesmo que ela? Tentou pensar mas não conseguia lembrar de ninguém, nenhum rosto, nenhum detalhe pequeno que fosse, um cheiro... Nada. E a sensação que no princípio tinha chamado de liberdade cresceu um pouco mais, ela se sentia plena, ela se sentia...
Não importava o que sentia, estava maravilhada com a sensação de nada que a invadia, que agora parecia mais um tudo. Parecia que fazia parte do nada/tudo que estava lá fora.
O apartamento parecia ainda mais sem sentido, com suas portas e janelas que davam pro nada, tubulações, exaustores e buracos que davam pro nada e ela ali dentro. O lindo nada lá fora, o vazio e maravilhoso nada. O mesmo nada que estava dentro dela e que não sabia, não conseguia ainda entender. A sensação que chamara de liberdade aumentou ainda um pouco mais e faltava pouco pra preenchê-la, sentia que logo ia explodir aquele nada/liberdade.
Então abriu a janela e esperou o nada/tudo explodir dentro dela, era isso que podia/queria fazer e não iria evitar mesmo que houvesse porquê.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Qualé?

Não quero pensar, nem ser criativa.
Não quero ser espertinha, nem entreter.
Só falar uma verdade, mesmo que seja minha.
Eu não sou legal, sou uma pessoa.
Sou uma vaca e galinha às vezes. Menina às vezes.
Não sou escritora, nem atriz, nem nada além de eu.
Sorrio muito sem vontade, falo muito também.
Cago pros elogios vazios, mas agradeço.
Falo palavrão sim, não é piada sou eu.
Trepo sem camisinha e daí?
Não sou politicamente correta nem me encaixo nos padrões hipócritas que todos fingem que acreditam e fico de saco cheio de ser exótica.
Não sou exótica, entendeu?
E todo mundo gosta de um fio terra ou beijo grego.
Só vim pra falar qualquer coisa que me venha à cabeça.
E hoje estou assim, ok? Amanhã posso estar assado.
É tpm sim, e daí?
Passa amanhã.

Aquário

Eu tenho medo de horóscopo.

Os aquarianos estão sob a égide do poder e da boa vontade alheias e mesmo que detestem isso, terão que se adaptar a essa condição astral. Talvez você nem tenha percebido até agora o quanto isso pesa em seu presente. Nestes últimos dias essa consciência vem forte e você irá se reciclar.

Pior que é.

Aquariano vive no ar, mas hoje você precisa se aprofundar em alguns assuntos, mesmo aquele não gostaria e tem evitado lidar. Mesmo que isso leve a alguma crise, é importante fazê-lo para poder renascer e reativar algumas questões que precisam ser melhoradas para a sua produtividade. O dia pede que você mergulhe em si mesmo.

Eita.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Descontrolada

Tá bom eu confesso, eu sou estranha. Mas o que posso fazer se gosto de narigão? Gosto de pintão também, mas narigão tem um charme... ui. Se for bem dotado de nariz as possibilidades de conseguir me mostrar outros apêndices aumenta consideravelmente.
Não sei o que é, talvez freud explique ( vou pesquisar no google) mas a questão é que eu tenho certas manias estranhas. Por exemplo, adoro vírgulas e crases, adoro, mas tento me controlar, pelo menos nas vírgulas. ( Será que é porque são compridinhas?)
O rapaz não precisa ser lindo não, beleza é bem vinda mas um nariz de atitude é fundamental. Narizinho arrebitado não tem chance comigo, nem adianta ser um brad pitt, é bonito de olhar mas não dá vontade de conhecer melhor, sabe como é? Mas um moço encantadoramente desproporcional, másculo e simpático é batata, meu filho ( citando nelson, o rodrigues).
Fui vítima dessa combinação perigosíssima, narigão, pintão, virilidade e um lindo sorriso. O moço tinha outras qualidades e muitos defeitos também, mas quando eu olhava praquele nariz... todo o resto deixava de fazer sentido e perdia a importância, era uma espécie de hipnose, eu acho.
Pois é, é isso, eu sofro desse mal terrível e sempre me complico por um belo, grande e hipnótico nariz. Fazer o quê?

PS: Quem se sentiu incomodado com as vírgulas desconsidere, porque eu sou incontrolável. Sorry.
PS2: Relendo o texto percebi que fui acometida por outra mania horrorosa, parênteses!

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Casamento

Há pouco tempo fui convidada a ser madrinha de casamento, já tinha sido convidada uma outra vez e tinha sido bem sucedida, portanto aceitei. Pra deixar tudo claro desde o início já avisei que não tinha dinheiro pra presente caro, a noiva me dispensou do presente e ainda me deu uma panela de pressão que tava sobrando. Isso é que é madrinha de honra.
No dia do casório parti rumo à igreja evangélica no fim da zona leste, que você pensa que sabe onde é mas não tem a mais vaga idéia. Fui eu, refém do motorista e padrinho que me ofereceu uma bem-vinda carona. Até aí, moleza. Duas horas depois cheguei ao destino e pude me vestir, maquiar e todo aquele nhém-nhém-nhém de madrinha que não quer fazer feio diante de desconhecidos.
Pois é, eu não conhecia ninguém. A mãe por alto, uma irmã, uma prima e o noivo mais de ouvir falar que de presença. Me perguntava ( e todo mundo também) porque eu era madrinha. Simpática, tentei me entrosar e descolar uma turma legal pra ficar na festa. O padrinho não ia rolar, uma vez que a ex-namorada furiosa já deixara claro que aquele rapaz feioso era só dela. Por mim, tudo bem.
A noiva atrasou uma horinha, normal. Quando ela chegou nos dirigimos ao altar. Entrada dos padrinhos, normal. Todos a postos e a noiva vai entrar. Opa, a noiva resolveu cantar antes de entrar. Pena que era desafinada coitada, mas o noivo ficou feliz, ou nervoso? Não sei. Agora entra. Eita, uma declaração de amor no microfone. Agora entra. Opa, mais uma música que outra cantou, menos mal. Entra ou não entra?
Entrou. Toda de rosa e paetês feito uma barbie antiga. Quando ela me perguntou eu disse que achava brega, mas ela achava lindo e estava feliz. Foi andando até o altar, na frente da dama de honra que era pra não ser ofuscada. Encontro com o noivo, aquela emoção. Normal. O pastor vai começar a falar, mas calma antes tem mais uma música. Ai ai ai, cada música tem uns 10 minutos faça as contas. Um casal gordo cantou, esguelou e abafou. Deixa o pastor falar, minha gente.
Ela tinha me dito que o pastor era rápido, eu pensava nisso depois da primeira meia hora. Pausa pra mais uma música, dessa vez interpretada por duas moças gordas. O pastor retomou, blá blá a mulher deve obedecer ao esposo, blá blá a esposa deve apoiar o marido, blá blá no livro tal, versículo tal. Pausa pra mais um casal gordo e cantor, porra todo mundo canta nessa igreja?
O altar cheio de padrinhos começou a girar, apagaram as luzes e ligaram o estroboscópio. Gente, que loucura de casamento é esse? A festa já começou?
Acorda Flávia, tá tudo bem? Ai, acordei e descobri que tinha desmaiado. Ainda bem que acordei antes do padrinho me soltar que o coitado já não tava aguentando.
A noiva me olhava, o noivo me olhava, os padrinhos, pais, todos os convidados e até o pastor me olhava. Fiz um sinalzinho de ok pro pastor e um discreto vou sentar pra todos.
Sentei e vi o resto do casamento da primeira fila. Enquanto o pastor continuava o discurso, outros cantores se alternavam e eu pensava, eu nunca desmaiei, porque justo agora? Na igreja evangélica? Porque se fosse em outro lugar o máximo que ia acontecer era o povo achar que eu bebi antes da cerimônia, ou que não tinha comido, por mim tudo bem. Mas ali todo mundo ia pensar que eu tava possuída pelo demônio! Enquanto eu assistia o casório lá na frente eu sabia que todo mundo tinha esquecido da noiva e especulava sobre meu desmaio, ainda mais porque o casamento tava um tédio. Olhavam pra aquela menina simpática, vestida de roxo, bonita, desconhecida e pensavam, essa menina precisa de um exorcismo rápido. Aliás, até eu fiquei na dúvida se não valia a pena pedir um exorcismo expresso ao pastor, será possível que era coincidência eu desmaiar logo ali?
Enquanto eu decidia a respeito do exorcismo o casamento acabou, eu saí com a fila de padrinhos da igreja e fui rapidamente cercada pelos curiosos que queriam saber o que tinha acontecido comigo. Eram duas filas, uma pra cumprimentar os noivos e outra pra falar comigo. Enquanto eu explicava pela décima vez, percebi que eu tinha me tornado a sensação do casório, já podia escolher em qual mesa eu ia sentar na festa. Sim, eles estavam pensando que eu tinha algo diabólico mas e daí? O importante é que eu estava arrasando. Pastor? Exorcismo? Que nada, vai ver esse é meu charme. E o charme não posso perder jamais.
E aí, quem vai sentar na minha mesa? Bora pra festa, galera.

Errata

- Por que você terminou com seu outro namorado?
- Porque não gostava mais dele.
- Hum.
- Por que você resolveu perguntar agora?
- Porque me arrependo de nunca ter perguntado muitas coisas.

E falaram sobre coisas antigas que nunca tinham falado, esqueceram da distância que havia entre eles e o passado. Entre ele e ela em qualquer tempo. Falaram de medos e de curiosidades. Falaram de objetivos e urgências. Falaram de arrependimentos, mas só um pouco. Aí ela pensou em mostrar um dos seus textos, um que ninguém leu ainda. Ela pensou em mostrar, mas não mostrou. Ele nem sabe que ela pensou.
Ela continua errando os mesmos erros.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

História inventada pra uma pessoa real

Já era pequeno quando nem sabia a diferença entre grande e pequeno, nasceu pequeno. Todo mundo nasce pequeno, mas ele era mais pequeno que os outros.
Quando começou a entender a diferença entre grande e pequeno já sabia que era menor que os outros, ou melhor, que sempre seria menor.
Cresceu assim, pouco e sempre consciente de sua pequenez. Passou por todas as fases que as crianças passam, era menor mas não se importava ou tentava. Primeiro dia de aula é assustador pra todo mundo, pra ele também. Quinta série dá aquele frio na barriga, nele também. Primeiro beijo dá medo, nele também. Ele era tão corajoso ou tão medroso quanto os colegas, crescer não é facil pra ninguém mesmo e ele tentava se convencer que pra ele era igual. Mas não era, ele não ia crescer.
Na adolescência que percebeu quanto tinha custado chegar até ali, e quanto ressentimento o acompanhava. Na verdade ainda não tinha consciência de nada, só do ressentimento. E fez o que tinha que fazer sendo jovem e ressentido, fez o que todo mundo faz na adolescência e acumulou mais um tanto de ressentimento.
Não sabe bem ao certo como nem quando aconteceu, mas um dia era adulto e pequeno. Via o mundo sempre da mesma perspectiva desde criança, cansou. Podia trabalhar num circo, usar perna de pau, a idéia não era má. Podia trabalhar de animador de auditório no Ratinho, era humilhante mas. Podia fazer muita coisa pra subir na vida, inclusive arrumar um emprego qualquer como todo mundo fazia, não era tão difícil. Podia fazer muitas coisas, mas já estava acostumado com sua posição no mundo, no rodapé. Mudar parecia muito complicado, precisava encontrar uma função adequada à sua experiência. Um dia percebeu que era o candidato perfeito ao cargo de mendigo, tinha grande experiência em ser olhado com o canto do olho, tinha intimidade com a margem, sempre vivera perto do chão, era só sentar e estender a mão. Foi assim que assumiu seu lugar na sociedade, representante de duas minorias se tornara uma minoria muito pequena, talvez a menor de todas. Mendigo e anão.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Das aparências

- Você tem cara de quem gosta de música gospel.
- É mesmo?
- Você não gosta?
- Hum... não.
- É porque você nunca ouviu.
- Já ouvi sim.
- Então você não ouviu com o coração aberto.
- É possível.
- Eu também não gostava, se você ouvir de coração aberto vai gostar.
- Não vou, não.
- Claro que vai, te garanto.
- Não.
Fez aquela cara de assunto encerrado e um sorriso, pra ele entender que não era má nem tinha simpatia pelo demônio.

Esse episódio me leva a duas conclusões:
1- as aparências enganam.
2- nós atribuímos as qualidades que prezamos às pessoas que nos agradam, independente das evidências que digam o contrário.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Ressaca

Ressaca é das piores coisas que existem, tenho pra mim que é coisa do diabo.
Aliás, pensando bem, só pode ser castigo divino. É deus se divertindo lá em cima enquanto você vomita, ninguém mandou se divertir ontem. A ressaca é a arma divina contra as tentações mundanas, ai adoro essa palavra, mundana.
É injusto que as coisas boas resultem em tanto sofrimento, por essas e outras não curto mais deus, depois que comecei a me divertir vi que ele era um recalcado. Onde já se viu, por causa de algumas horas de diversão e bebedeira um dia inteiro de dor de cabeça, vômito e vertigem?
Mas pior que estar de ressaca é estar de ressaca e ter que trabalhar, tortura dobrada pra quem arrisca uma diversão no meio da semana. E pode ter certeza que justo no dia que você estiver com aquela mega ressaca seu chefe vai te pedir um trabalho que exija concentração. Sabe aquele negócio chato que ele deixou acumular o mês inteiro? Ele tava só esperando o dia que você ia chegar de ressaca pra te mandar fazer (com urgência). Porque sim, ele está crente que é deus e odeia imaginar que você se diverte.
Por isso recomendo matar o trabalho nesses dias, é melhor pra todo mundo. Ninguém vai ter que fingir que não te viu vomitar no banheiro, seu chefe vai ficar na ilusão de que você está realmente doente e você vai manter a dignidade que te resta abraçada ao vaso sanitário da sua casa. De preferência sem ninguém por perto.
Eu posso falar de ressaca porque é um assunto que conheço bem, conheço muita gente que bebe mais que eu, mas ninguém que tenha mais ressaca. Qualquer pinguinha que eu tomo já me dá aquele enjôo, meia dúzia de cervejas e começo a gorfar (gorfar: vomitar sem muita classe). Segundo a minha mãe, que está ao lado de deus no quesito provocar arrependimento e culpa, essa minha sensibilidade à bebida é graças ao meu fígado frágil, consequência da hepatite na infância. No dia seguinte já acordo com aquela dor de cabeça que promete durar o dia todo, vomito o que tiver sobrado da noite anterior e caio na cama de novo. O ritual se repete várias vezes ao longo do dia, interrompido por algumas tentativas de ingerir neosaldinas e gatorade.
Aliás, aí vai minha receita pra ressaca: após o primeiro gorfo do dia tome um longo banho, uma neosaldina e gatorade sabor frutas cítricas*. Não se esqueça, comece o tratamento após o primeiro gorfo porque as possibilidades de vomitar a neosaldina diminuem. Não é aconselhável vomitar bile o dia todo, portanto tome algum líquido que propicie um vômito mais saudável e digno. Se possível encerre o dia com uma canja.
Pra finalizar as dicas sobre bebedeira, vai aí uma que nunca funciona mas você pode tentar. Quando o diabo vier te tentar com aquela baladinha super bacana durante a semana lembre-se da fúria divina, tente lembrar dos momentos que passou curtindo ressaca, lembre-se das promessas ajoelhada em frente ao vaso. Se nada disso adiantar tome um engov antes, um depois e boa sorte.

* na verdade o gatorade pode ser de qualquer sabor, é que esse é meu preferido.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Segundo tempo

Pode não parecer mas estou super animada.
Esse sábado tive uma reunião de trabalho que foi ótima. Eu e a Renata Kamla estamos gestando a nova peça há algum tempo. Conversando, definindo o que queremos dizer e como. O que tínhamos de certo é que seria uma continuação da pesquisa do "Tempo", não que vá ser igual, aliás acho que será bem diferente, mas que seja uma linha contínua do nosso trabalho. A grande diferença a princípio, foi que chamamos um amigo pra escrever a peça, num processo meio que colaborativo. Na verdade ainda não sei ao certo como classificar o 'processo', uma vez que estamos no meio desse processo que não sei como será.
Pra começar, fizemos algumas reuniões com o Daniel, sim, esse é o nome do rapaz dramaturgo, pra ele entender um pouco o que queríamos e como ele poderia ajudar. Ele gostou das idéias e topou. Acontece que o Daniel é meu amigo, é da minha geração (estamos nos 20 ainda, viu Dani?), tem um humor bem parecido com o meu e escreve de um jeito que me agrada muito. Será que vai dar certo? Depois de algumas conversas com as duas malucas demos um tempo pra ele escrever e sábado eles nos entregou as primeiras páginas. Amei. Ficou super a nossa cara e ao mesmo tempo a cara de uma geração, essa entre 20 e 35 anos. Algumas páginas de muita verdade e humor.
Fiquei tão animada que tô doida pra começar os ensaios, que aliás começam essa semana. Ainda não sabemos exatamente como será a peça, afinal ela será construída nos próximos meses, mas garanto que haverá unhas e sapatos vermelhos, sexo e ressaca, e um tantinho de reflexão, afinal não somos vazios.
É bem provável que, graças a esse estímulo criativo que é ensaiar e construir uma peça, eu escreva novos textos que podem ou não ser usados no espetáculo, o que não for usado publicarei por aqui. E estou pensando seriamente em criar um blog pra peça, pra não ficar muita zona aqui e também pra dividir essa experiência com quem quiser. Além do mais, me obrigaria a organizar os eventos e ter mais cuidado com as descobertas diárias. Bem, tá quase decidido que esse blog vai existir.
Vamos começar a ensaiar pra ver o que acontece, em breve novidades.

Caixa postal

Sai e fecha a porta, por favor.
Cansei de ouvir, dizer, lembrar, blá blá e etc.
E o mais importante sempre tá na etecétera.
O mal mesmo, tá na etecétera.
Sai, por favor. Tenho um encontro marcado.
Eu, minha televisão e um baseado.
Eu, o pano de chão e o supermercado.
Sai e fecha a porta.

Meu status está offline e posso não responder.
Essa pessoa está programada pra não receber chamadas.
Deixe sua mensagem após o sinal. Beeeep.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Me explico

A história anterior, e toda essa morbidez é pra relembrar porque minha vida mudou completamente de rumo. Foi por isso. E prometo não explicar mais nada nesse blog.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

30 de janeiro

Acordou.
Onde eu tô? Sempre que eu durmo na minha vó acordo sem saber onde estou.
Mas eu não tenho mais 5 anos. Onde eu tô? Tá quente. Maior sol.
Tava indo pra São Paulo, amanhã é meu aniversário. 21 anos. Ontem fui na pizzaria.
Saímos 13:10 hs. Onde eu tô?
- A moça acordou.
- Onde eu tô?
- Você sofreu um acidente, moça. Lembra um telefone pra gente avisar?
- 9357-2367
Olhou pro lado, o namorado ensanguentado. Piscou e o tempo passou. Acordou, a mão ensanguentada. Cheia de cacos de vidro. Calor. Era verão e verão no interior é quente de verdade. Do lado ele gemia e uma coisa parecida com ronco.
- E minha sogra, ela também tá...
- Já chamamos o resgate, moça. Devem estar chegando. Fica calma, viu?
Piscou e o resgate chegou. Piscou e abriram a porta. Piscou.
- Vamos tirar ele primeiro.
- Ele tá bem?
- Fica calma moça.
Todo mundo mandava ficar calma e ela estava calma mesmo. Chorava lágrimas quentes e calmas. Suava com aquele calor. Ele gemendo e roncando.
- Agora vamos tirar você, você vai sentir um pouco de dor. Fica calma.
Piscou e estava dentro da ambulância, sabia pela sirene.
- Batimento 180, abre o soro.
- Tá muito alto, né?
- Fica calma que estamos cuidando de você.
- E ele?
- Não se preocupa. Parece que está tudo bem.
- E minha sogra?
- Ela foi em outra ambulância.
- Ela tá bem?
- Não sei.
Piscava e girava. Vou morrer na ambulância, manda ir mais devagar. Eu vou cair. Piscava e girava. Me segura que eu vou cair.
- Eu vou cair.
- Calma moça.
Piscou e estava no hospital. Muita gente de branco correndo com ela.
- Dói aqui?
- Não.
- E aqui?
- Não.
- Tá doendo minhas costas.
- É sua bolsa e seu sapato que estão aqui, guarda pra ela. Leva pro raio x. Depois a gente tira o colete, tá?
Piscava e girava. Piscava e doía. Piscava e esquecia. Piscava e o corredor não acabava.
- E o meu namorado?
- Ele está sendo atendido também.
Piscava e raio x. Piscava e rodava. Rodava e doía.
- Parece que tá tudo bem. Vamos tirar o colete e você vai fazer mais um raio x, tá? Acho que quebrou uma costela, mas vamos conferir sem o colete.
Tiraram o colete e cortaram a calça preferida, a blusa que ganhou de presente, o único sutiã branco. Chorou.
- Adoro essa calça.
- Fica calma moça.
- Você é enfermeira? Quantos anos você tem?
- 21.
- Eu vou fazer 21 amanhã.
Chorava de gratidão agora. De alegria e gratidão. Ia fazer aniversário amanhã. A enfermeira chorava. 21 anos. Olhou pro lado e ele estava ali, olhos fechados e cheio de sangue. Chorou.
- Fica calma, ele está bem. Só bateu a cabeça, mas tá tudo bem.
- E minha sogra?
- Não sei, só chegaram vocês dois. Ela pode estar em outro hospital.
Levaram ele embora e ela não conseguia perguntar pra onde. Injeção, curativo e mais soro.
- Esse é o paramédico que te resgatou, ficou pra ver como você estava.
- Eu tô bem. Obrigada.
- Você nasceu de novo.
- Amanhã é meu aniversário.
O paramédico chorava. Ela sorria e chorava. Precisava avisar alguém.
- Tem um celular tocando. É dela.
- Alô. Mais ou menos. Batemos o carro. Tá tudo bem, estamos no hospital. Ele tá fazendo uns exames. Ela não veio pra cá, tenta descobrir onde ela está. Eu tô bem, sim. Liga daqui a pouco, chegou um policial pra falar comigo.
- Você lembra o que aconteceu Flávia?
- Não.
- Pra onde vocês iam?
- Pra São Paulo.
- Você lembra da batida?
- Não. Como foi?
- Outro carro bateu em vocês.
- Lembra o número do seu RG?
- 297434464.
- É só isso, pode descansar.
- Você sabe da minha sogra? Ela tava no carro com a gente.
- Infelizmente...

Ela não escutava mais.

... ela faleceu, Flávia.

Não entendia mais.

... Eu sinto muito.

Ela piscou e recomeçou a girar. O celular tocava. Nada estava no mesmo lugar.
O foco estava aceso e ela não sabia o que dizer, não conhecia o texto, não tinha ensaiado. Essa porra de pesadelo de novo? Não podia atender o celular, nem abandonar o palco. O foco estava aceso e estava sozinha. Piscou querendo acordar. Tudo tinha mudado de lugar. O celular não ia parar. Não tinha texto. O foco. Ela.
- Alô.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

chega mais

Encosta sua cabeça no meu colo, colo foi feito pra isso.
Emaranha meu cabelo nos dedos, cabelo é pra isso mesmo.
Respira aqui no meu pescoço, que pescoço só serve pra isso.
Bota a mão na minha coxa, a boca na boca, a boca no peito, mão na bunda, boca no umbigo, a mão mais perto, que tudo converge pro centro. Pra dentro. Eu gosto, bobo.
E vamos ser felizes que a vida é nada, alguém já disse. E eu digo que é tudo. Eu te mostro que é tudo, é só me dar sua mão, sua boca.
Não precisa falar nada, se chegue e se aconchegue.
Eu sou a oferta do dia.
Aproveite.