quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

não se nasce mulher

tornei-me mulher quando amanheceu
joguei o chapéu e a bengala encostada
desci da cama de um pulo
uma gata alongada
(eu percebi de relance)

mulher barata grogue dos sonhos
me vi olhando no espelho
a macheza ainda estava lá
guardei uma mecha de cabelo atrás da orelha e dei um sorriso
pequeno como convém

então a gata se lambeu bem na minha frente
lambida na própria virilha
de um susto mordi a língua que sangrou
sem choro
morno

do sangue bebido virou um feitiço
que virou lágrima de gozo
que virou tudo no oposto
e arrepio de quarta-feira de cinzas
com tempo chuvoso

da boca saiu um riso engasgado
que fugiu pela janela rasgando a cortina
e caiu na boca de outra mulher que acordava naquela hora
do peito brotou um leite inexplicado
que de poça se fez correnteza, arrastando tudo pra fora