quinta-feira, 27 de outubro de 2011

uma palavrinha

num pedaço do guardanapo de papel escrevo sobre o pôr do sol
coloco um beijo vermelho pra lembrar que minha boca esteve ali
hesito
beijos
te amo
pra sempre
nada nada disso
falo sobre o pôr do sol e deixo um beijo
espero que ao ler o hai kai se lembre que minha boca esteve ali

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

ele e ela

ela caminhava ao lado dele. nem um, nem outro dava provas explícitas, como olhares e mãos que se tocam. eles não se olhavam e não se aproximavam. era claro que ela pertencia a ele.
ela tem os pézinhos tensos, enfiados em melissas falsas e usa meia calça cor da pele. é crente, tem a saia abaixo dos joelhos e o cabelo preso sem vaidade. ela é dele, apesar de não ter olhado nos olhos dele nenhuma vez. ela pressente o que ele vai desejar e realiza. um observador atento vai perceber que a qualquer respiro dele ela fica atenta. ele deseja coisas que os distraídos não notam, de tão pequenas. mas ela baixa mais e mais os olhos e todos os seus outros sentidos estão plugados nele. a cada respiro ela se apronta para agir. o que ela finge não perceber, com muita dedicação, é que ele não sabe exatamente o que faz. pra ela é indiferente, ela deve segui-lo mesmo quando ele não sabe pra onde vão. de alguma forma, isso a tranquiliza.
ele, por outro lado, deve saber sempre pra onde vai. sabe que ela o segue e não tem direito de perder-se. não quer errar, não quer errar. mas ele não sabe onde estar, onde ficar nesse mundo maluco. quando sai pra rua é um sofrimento abafado, maior porque sempre abafado. mas só vê quem observa tudo isso de bem perto. ele tem a impressão que todos os olhos estão sobre ele, por isso não olha. não vê ninguém e, ainda que não olhe pra ela, só vê a mulher ao seu lado. ele a olha com todos os seu sentidos, sabe reconhecer sua dedicação completa. sabe exatamente em qual nível estão, minuto-a-minuto. ele sabe que nada vai mudar entre eles entre a casa e qualquer destino. e isso é bom.
eles estão juntos e se pertencem, mesmo que nunca se olhem. juntos enfrentam as portas automáticas e escadas que rolam. enfrentam os olhares indiferentes dos que nunca reparam neles.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

VRUM-VRUM

de dentro do meu cafofo eu ouço os sons que vêm de fora
mesmo quando me esforço pra esquecer quem sou e onde estou,
eu ouço - você é uma pessoa só, que se incomoda com o barulho dos carros
os carros aceleram e freiam loucamente como se isso fosse levá-los pra outro lugar
eles continuam ali com os aceleradores em riste e os graves pulsantes do rap, do funk e do samba balançando a minha rotina
mesmo quando eu uso plenamente meu direito de refúgio, garantido pelas 8 horas diárias de trabalhos concretizadas num apartamento minúsculo
mesmo quando eu sinto que estou livre no mundo e que ninguém me alcança mais
mesmo quando eu acredito que todo o esforço será recompensado
mesmo quando eu me iludo loucamente
quando eu finjo que não sou parte daquilo lá fora

os escapamentos malditos
mesmo quando eu elaboro questões fundamentais e verdades nebulosas, eles estão lá
gritando sua fumaça pra cima de mim:
- sai da toca, menina. seu mundo tá aqui

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

não-presença

minha não-presença entra pelos poros de qualquer ser humano poroso que passe por aqui
minha não-presença é, como se diz, muito solicitada ultimamente
todos que me conhecem a desejam logo
acho que posso falar em alívio, é isso que vejo nos olhos e palavras mal pensadas daqueles que,
ao topar com minha não-presença, sorriem de volta agradecidos
não me faço de rogada e digo a todos que assim desejam, que podem contar com minha não-presença sempre
é sério
e, mesmo doendo, eu entendo
eu também adoraria contar com minha não-presença
ainda que fosse apenas nos finais de semana

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

de frente, mas podia ser de qualquer lado

você me quer na sua porta e não considera que eu nunca quis estar onde não era meu lugar/ você gostaria que eu o obrigasse a qualquer coisa que seja e ignora que eu nunca vou te obrigar, ainda que você queira/ você me cobra que brigue contra suas verdades e esquece que as minhas nunca serviram a imposições/ eu não me coloco, eu não te obrigo e não brigo. eu só espero que nos encontremos, nos toquemos e falemos nossas bobagens vivas e mortas (se houver necessidade de palavras)/ a minha única exigência (que não é uma frescura, mas uma necessidade infernal) é que você venha com tudo o que tem, que não te falte nenhum pedaço e que seja íntegro e certo de quem é, mesmo que seja algo confuso
não me exija que eu te exija, quero estar fora desse círculo de exigências fúnebres