sábado, 27 de outubro de 2007

olhos azuis

Ela me olhava com o olho de vidro azul, o olho verdadeiro também era azul, mas piscava. O olho não devia ser de vidro, mas eu não tive coragem de perguntar do que era feito seu olho. O olho não piscava, via tudo. Via nada.
Quando eu era criança pensava que as pessoas feias deviam ser infelizes, mas nunca pensei como se sentiam as pessoas com olho de vidro. Como ela se sentia vendo com seu olho verdadeiro que todos viam seu olho de vidro? Ela era feliz? Não parecia, talvez nem fosse pelo olho. Mas também não tive coragem de olhar pra ela com meus dois olhos castanhos e perguntar se ela era infeliz. Certamente ela ia pensar que perguntava por causa do olho de vidro cego.
Ela me olhava sempre, talvez esperando que eu reagisse, perguntasse, desviasse. Mas eu olhava com meus olhos castanhos tristes e sentia vergonha de ter tanta maquiagem. Dava um sorriso mecânico que sempre dou a quem me olha, ela não sorria. Não respondia olhares com sorrisos. E eu sentia mais vergonha ainda pela minha hipocrisia.
Se o olho verdadeiro por acaso desviasse o olhar, o olho de vidro azul estava ali, me encarando. E eu me lembrava de como sempre quis ter olhos azuis.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

paz

essa paz que eu tanto prezo, passa
eu sei que passa
daqui a pouco acordo com os bofes expostos
postos nos meus pratos de 1,99 pro jantar
e se você comê-los prometo que ainda vou te amar
vou comprar um vinho tinto pra acompanhar, me faça um brinde
sabe que gosto de uma delicadeza de vez em quando
só não me deixe esfriar em cima da mesa
não me ignore

depois da refeição vem a paz,
e a paz é o que eu mais prezo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Religiosidade

Há quem diga que a religiosidade está acabando, eu discordo. As pessoas sempre vão precisar de uma razão pra levantar da cama de manhã, de algo que justifique sua estada na terra, é nato. Sem isso o mundo seria um caos, as pessoas precisam se sentir parte de algo maior.
Sei que as igrejas, centros espíritas, de macumba, etc, andam meio caídos. Mas em compensação os shoppings tão sempre cheios. Há os que gostem de comungar sem sair de casa e pra isso existe a internet, telefone e serviços de entrega.
Alguém pode dizer que sou exagerada, mas posso provar que não. Entre os leitores, quem sai de casa no sábado pra ir à igreja? E quem sai de casa no sábado pra fazer umas comprinhas? Tá bom, concordo que nem todo mundo compra no shopping, às vezes é só um cafézinho, um sorvete, um passeio. Mas nem todo religioso é ortodoxo.
Ainda acha exagero? Hum, você acorda às 7 da manhã pra trabalhar, faz hora extra, mba, pra quê? Pra ir pro céu. Claro que não, é pra poder comprar uma tv de plasma, viajar pro nordeste, pagar o financiamento do ap, ou pelo menos poder passear no shopping sem se sentir constrangido.
Ninguém aponta um ateu na rua hoje em dia, mas se o cara estiver desempregado há mais de 3 meses... tem algo errado com ele. Como ele vai pagar o aluguel, a conta do telefone, da tv a cabo, o plano de saúde? É melhor que ele saia de casa todo dia de manhã pra procurar emprego e volte só a noite, como penitência.
Essa religião, que eu costumo chamar de consumismo, não tem padre nem pastor, mas cada fiel fiscaliza o próximo de rabo de olho. É até mais eficiente que as antigas igrejas. E todos podem ser conselheiros, basta querer, soube de uma promoção incrível? É sua obrigação transmitir a informação ao próximo.
Claro que existem os infiéis, você pode identificá-los nos bazares, brechós, e locais análogos. Andam pela rua indiferentes às vitrines. Consomem, claro, mas não têm o consumo como fim. Assim como o antigo ateu que ia à igreja só em casamentos e batizados, o novo ateu compra o que precisa. Pode ser um livro, a coleção de dvds do almodóvar, uma picanha, uma roupa bacana e barata, mas a finalidade não é consumir, é satisfazer uma outra necessidade.
Já os fiéis mais ortodoxos necessitam comprar, seja lá o que for, se estiver na moda e em promoção, tanto melhor. Se estiver no fim do mês, com o orçamento estourado, vai no crédito mesmo. Se o cartão de crédito estiver estourado também, vale ficar olhando o próximo comprar, planejar as compras futuras... o importante é se sentir parte do todo. O importante é ter objetivos, é ter uma razão pra acordar às 7 da manhã.
Têm algumas igrejas da antiga religião que tentam se adaptar ao novo modo de vida dos fiéis, vendem cds, dvds, bíblias nas mais variadas cores, diferentes tamanhos de terreno no céu, etc, mas seus dias de êxito estão contados. Mais dia menos dia os fiéis vão perceber que estão por fora, que o mundo lá fora oferece mais opções. Mais dia menos dia vão aderir ao consumismo.
O consumo, sem dúvida é o novo deus e o mercado a nova igreja. O consumo tem mais seguidores que cristo.
Alguém duvida?

domingo, 21 de outubro de 2007

muda

quando fico assim
séria e muda
é que estou prestes a vomitar
um choro, uma poesia
um não sei o quê, um salto
salto
quebrado no buraco do asfalto

terça-feira, 16 de outubro de 2007

perdido

será que foram as porradas
ou foi o tempo
o que foi que mexeu tudo lá dentro
onde foi parar o que eu tinha pra te dar
perdi no meio do tiroteio, ou perdi e só
não vi quando foi, mas tudo é em algum momento
basta uma distração, um soco, um minuto
e alguma coisa muda de lugar
dessa vez foi você, não encontro mais seu lugar
acho que você nunca esteve aqui
ou foi o tempo?

Você ganhou flores, que lindas!
Deve ser tão gostoso ter um fã. Eu nunca tive, mas deve ser muito bom.
Coloca essas flores em cima da mesa pra todo mundo ver, se ele passar por aqui vai ficar feliz. Coloca vai?
Meu ex-marido me mandava flores quando a gente começou a namorar, mas depois disso eu nunca mais ganhei.
Coloca as flores aí, vai? Se ele não ver as flores vai ficar magoado.

Enquanto eu escrevo o que ela me disse, fica me olhando, parece que sabe. Ela nunca teve um fã, coitada.
Eu já tive, ele me mandava flores, bilhetes, cartas e desenhos.Todo mundo tinha pena dele. Depois de um tempo mandava ameaças e se sentia traído por não ser correspondido.
Fã é uma coisa no mínimo estranha, talvez seja sinal de que falta alguma coisa. Mas a senhora não sabe, ela nunca teve um fã. Talvez tenha sido fã de alguém. Será?
Hum, tem cara... e não pára de me olhar. Será que sabe que estou falando dela?
Ai meu deus, ela tá vindo pra cá e

domingo, 14 de outubro de 2007

des/plugado

é a marca.
como assim?
as coisas marcadas que estão por aí, nas vitrines... sabe?
acho que não.
você é muito distraído, por isso vive desplugado do mundo.
o que o mundo tem a ver com isso?
como assim? o mundo é isso.
é?
é, oras.

suspensão

um grito, um suspiro
um putaquepariu
avanço nos faróis vermelhos

um risco, um aperto
queda de cabeça do berço
o avesso

um gosto de bebida amanhecida
sonho de noite mal dormida
o nascer de mais um dia nublado
essa imperfeição explícita
confusão de sons e imagens
o ruído

o chão ruindo sob nossos pés calçados em belos sapatos coloridos.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

sonho

Sonhou que beijava um moço. Que na real era chato, mas no sonho era uma delícia. Aliás, até que o sonho parecia bem real em tudo, menos no moço.
E acordou meio enamorada do moço do sonho, que na real nem gostava. Nunca tinha beijado o moço na verdade, mas no sonho o beijo dele era muito bom.
No sonho, depois do beijo, tudo ficou com uma cara diferente. No sonho era tudo mais bonito. Até o moço chato ficou bacana no sonho, depois do beijo.
Sonhar até doía às vezes, porque não sabia controlar o que acontecia. Beijava alguém que não beijaria e ainda por cima gostava. E queria beijar mais, mas o moço do sonho ficou distraído depois do beijo, ou foram interrompidos, não lembrava.
Será que ele sonhava com ela também? Depois que acordou pensou em ligar pra ele e perguntar, só pra saber. Ou só pra lembrar como era o moço de verdade. Ou só pra ver se o moço queria beijá-la de verdade. Ou só pra não perder de vez aquele momento bonito do sonho.
O sonho era tão real que às vezes esquecia que acabava quando acordava. Será que acabava mesmo? Podia ligar pro moço e descobrir, mas não faria isso. Sabia que depois de uns dias passava a sensação do sonho. E sempre ficava com a impressão que estava perdendo uma chance. Será que estava?
Na dúvida se ligava ou não pro moço, resolveu dormir um pouco e talvez sonhar com aquele moço de novo, ou com qualquer outro moço esquisito que não beijaria nunca na vida... ou com aquele outro moço que bem tinha vontade de conhecer melhor, ou com... zzzzz... zzzzzzzzzz...

pra Marilda

Está ouvindo esse barulho? Parece um tornado, um furacão, uma erupção vulcânica... qualquer coisa assim violenta. Um desabar, uma avalanche.
Ninguém consegue parar uma avalanche. Começa devagar, um deslizar suave e vai crescendo, crescendo... leva quem está distraído no caminho.
Eu tava tão distraída, assoviando uma música antiga. E de repente me pegou, agora ouço só esse barulho.
Eu sei que moro num país tropical, abençoado por deus e bonito por natureza. Aqui só tem furacão na televisão. Mas parece que tudo mudou de lugar, o som dos carros passando parou.
Ouve o silêncio e lá no fundo o desmoronar? Escuta a explosão do vulcão. Alguém mais tá ouvindo?

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Cansei

Cansei de ser sexy
Cansei de ser
Cansei de ser esperta, informada.
Cansei de ser “ a beleza clássica”
a comportada
Cansei de beber socialmente,
fumar só de vez em quando
Cansei de ter que ter uma opinião formada
Cansei da forma
Cansei de ser realista
Cansei de ver as coisas como elas são
as coisas têm tantas cores
As coisas podem ser milhares de coisas
as coisas são só as coisas e depende de quem vê a coisa

Abra o cardápio
sirva-se à vontade, ouse
Aqui só não vale reclamar, nem aceitamos devoluções
Bom apetite.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

A cidade está em obras
Por onde ando ouço o martelar
Passos. Braços. tac tac tac
o barulho constante que me acorda
movimento de braços mortos, cansados
Não se vê o fim da obra, eu não vejo o fim
Só o barulho que aos poucos ensurdece
o concreto que endurece
Risadas ensaiadas. Buzina.
A cidade está em reforma, por onde ando, por onde entro
o ruído.

Aqui dentro também ouço o martelar,
o tique-taque constante do tempo
Ruidosamente operando
Ruidosa
mente

Cuidado. Em obras.