quarta-feira, 30 de setembro de 2009

corpos mudos

os corpos passam e passam
mórbidos
vivos e mortos em tempo real
invisíveis nas câmeras inteligentes
corpos invólucros,
embalagens biodegradáveis adequadas
corretos, secos
o corpo fala e diz que é hora: de trabalho, de descanso, de correr
é tempo de ir, sempre ir, sempre ir, ir ir ir ir ir ir
é tempo de ir a favor: do fluxo, da corrente, do tráfego
trafegar por mares já navegados, com pressa
corre que a vida vai! a vida não volta e os corpos menos ainda

corpo duro e uniforme na sua não-forma
preso à sua própria estratégia de não se deixar ver
corpo sem alma, sem identidade
silicone, tábua, tanquinho
clínica e salão de beleza, banho de lua pêlos claros
corpo estático
o andar que não se detém pela impossibilidade
corpo funcional, econômico e treinado para o nada
treinado, domesticado
cansado
o corpo fala e diz que não está

um degrau
um degrau que não estava na rua
um buraco na calçada e o corpo cai (ele não estava lá)
segure no corrimão: assim dizem ao corpo o que ele deve fazer a seguir
e o corpo não sabe onde estão suas pernas, o cóccix, a panturrilha, as escápulas
o corpo tropeça nas suas beiras
ele não vê sua morte nos outros corpos
jura que está vivinho da silva e goza às vezes.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

retratos e canções

Pensou em como poderia terminar com aquilo. Aquilo já durava alguns anos, não sabia exatamente quantos meses, dias, etc, porque não tinham uma data.
É, não tinham uma data. Os românticos podem discordar, mas não ter uma data era uma vantagem, desde o princípio. Não ter uma data podia ser um sintoma da coisa toda, mas pensava que essa coisa de data é uma forma de distração e mais importante para o comércio que para o casal. Achava ótimo não ter essa data.
Não tinha também fotos dos dois. Algumas fotos de um ou de outro e só. Teve uma vez uma foto de um sexo oral, mas numa das idas a foto oral se foi. A questão da foto se mostrou um pouco mais complexa, queria umas fotos agora. Fotos dos dois se beijando, tiradas com aquele braço esticado que quase aparece e estraga a beleza da cena. Não tinha nenhuma foto que pudesse ainda ser rasgada e jogada na água corrente. Rasgar umas fotos seria terapêutico além de marcar um fim. Imaginava porta-retratos com fotos de momentos românticos (vinho no parque), ou momentos de intimidade (com o olho cheio de remela), e como seria simbólico poder quebrá-los todos. A coisa da foto era uma falha, pelo menos agora, no final.
Por outro lado, podia comemorar o fato de não terem uma música. A ausência de uma música ou muitas músicas tema era coincidência, não estava articulada com algum princípio ético. Nada contra músicas tema. Bom, talvez não fosse coincidência. Pensava agora que não valorizava devidamente essas distrações próprias de casais. Coisinhas que dão o que pensar enquanto se suporta as violências e o tédio. Ouvir a música e pensar no outro, ou ouvir a música juntos e saber que o outro está pensando o mesmo que você, ou quase. Será? Uma vez deu um CD de presente, outras vezes compraram CDs juntos, mesmo esses CDs não renderam músicas "do" casal.
Como terminar tudo? Não haviam fotos a serem rasgadas, nem músicas pra ouvir e chorar, nem datas a serem esquecidas. Os rituais todos devem ter uma função, vai ver é isso, facilitam na hora de terminar. Quem segue os rituais deve saber o que fazer. Quem assina um contrato pode rompê-lo. Quem tira as fotos pode rasgá-las, quem troca presentes pode devolvê-los, quem tem música tema pode ouvir e chorar o fim.
Não tinha nada pra se segurar. Talvez tivesse sido tudo muito árido, muito direto. O fim, dessa perspectiva, ficava mais difícil do que imaginava. Fim e o quê? Depois do fim o quê? Nada pra rasgar, nada pra ouvir, nada
Talvez fosse melhor não ritualizar esse fim, não torná-lo um evento. Talvez pudesse esperar acabar, sem data definida, sem justificativas e culpas. Esperar, acabar, esperar

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Quarttet

Então eu fui assistir ao espetáculo dirigido por Bob Wilson. Apesar de ser minha primeira vez, imaginava mais ou menos o que iria encontrar. Gostei muito do espetáculo, entendo que essa declaração não tem a menor relevância, uma vez que a minha aprovação em nada muda o fato que Wilson é reconhecido como um dos maiores encenadores de todos os tempos. Por isso mesmo me contento em dizer que gostei, e muito. Por outro lado, algumas pessoas não gostaram, algumas saíram durante o espetáculo, ou seja, nem se deram ao trabalho de apreciar a obra. Eu fiquei sentada ao lado da porta e vi muitas das pessoas que saíram dos assentos pares. Muitos artistas, claro, pois era esse o público. Aí fiquei pensando: porque essas pessoas não podiam esperar o final do espetáculo? foram surpreendidas pela linguagem? não esperavam aquele tempo? A conclusão que cheguei é simples: não importa, ou importa tanto quanto eu dizer que gostei ou não.
Como dizia minha avó: gosto é igual cú, cada um tem o seu. Mas tem gente que acha que seu cú é mais cheiroso que o dos outros. Ai se faz necessário mostrar aos outros qual o perfume do seu cú, uma forma é sair durante a peça.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Anarquistas da boca pra fora

Tem algumas questões que de tão discutidas tornam-se bobagem e a gente pensa que não vale a pena discutir. Pensamos que os desdobramentos da discussão são óbvios e que não há necessidade de retomá-la.
Pois às vezes, mais frequentemente do que gostaríamos, nos pegamos travando discussões sobre coisas que deveriam estar claras.
A questão da forma e do conteúdo, por exemplo, não está claro que a forma veicula um conteúdo em si mesma? Não está claro que as opções formais devem ser feitas de modo que não difiram do conteúdo, ou do discurso pretendido? Por outro lado, é possível que a forma coloque o conteúdo em questão ou vice-versa, é possível brincar com essas estruturas, mas isso deve ser consciente. Do contrário, o que observamos é uma confusão pura e simples, no mal sentido.
Em arte, os artistas costumam criar, a criação sempre vem embalada ou até mesmo motivada por uma forma. Sem estabelecer aqui um caminho ideal pra criação, vamos considerar que a questão formal está implicada na criação de modo geral.
Outra questão importante, a meu ver, é como se dá o processo criativo. Existem muitas formas de trabalho e os artistas vão se afinando ao longo da sua experiência com procedimentos que lhe interessam. Na minha opinião, o modo como se dá o processo criativo é fundamental para o resultado final da obra. Acho que o modo está impresso de alguma forma na obra e que é possível verificar qualidades diferentes, segundo um ou outros modos de criar.
Outra questão que vou levantar nesse discurso um tanto caótico é a questão da anarquia. Ao que me consta, a anarquia não admite formas de poder. Sei que existem divergências entre os anarquistas, mas de modo geral, posso dizer que a anarquia não é uma forma de organização do poder. Mesmo o anarquista mais reacionário ou defeituoso, deve concordar comigo que um homem não deve exercer seu poder sobre outros.
Vou construir uma hipótese pra me aproximar da discussão que pretendo levantar: Se quero construir um espetáculo que questione as formas de poder, uma vez que sou anarquista e considero essencial tocar nesse assunto, como devo proceder?
Eu procederia da seguinte forma: primeiro, definiria um modo de criação que esteja de acordo com minhas crenças anarquistas, posso falar em um modo coletivo de criação, por exemplo. Segundo, pensaria numa forma que colocasse as questões importantes, seja uma forma extremamente rígida que refletisse o poder que estou questionando, ou uma forma bastante aberta que apresentasse minha percepção sobre a questão do poder, ou ainda, uma mescla dessas formas que evidenciasse o discurso. Por último pensaria na dramaturgia, que deveria se construir no processo criativo, mas que poderia ter um acabamento mais pro final do processo.
Essas tentativas de pensar um modo de criação a partir dos pressupostos apresentados, são uma brincadeira. Mas são uma brincadeira conceitual, os fins e os meios estão ligados de uma forma particular. Nessa brincadeira construí um modo de criação, mais ou menos definido, orientado pelos meus objetivos.
Agora vamos pensar em outros procedimentos: Primeiro eu defino meus objetivos e a partir daí crio uma dramaturgia. Segundo, digo ao meu grupo o que cada um deve fazer. Por fim, a forma vai se construindo a medida que as dificuldades do elenco em lidar com minha proposta surgem.
Não tenho como garantir que um ou outro modo de fazer garantam um espetáculo agradável de assistir. Mas sem dúvida o primeiro modo de fazer é mais coerente com o próprio fazer artístico, com o discurso pretendido, com questões que já são pensadas na criação contemporânea, etc... O segundo modo me parece amador, vai por tentativa e erro e se baseia em procedimentos conhecidos historicamente e na sorte.
Porque trazer essas discussões pra esse espaço? Porque essas questões sempre permeiam meus pensamentos e às vezes eu me pego com a necessidade de discutir coisas que parecem óbvias, pelo menos pra quem pensa a arte. Não adianta dar murro em ponta de faca, teimar, adular, chantagear, etc... o que adianta é afinar seus propósitos aos meios.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Ia escrever mais um post sobre eu mesma, mas resolvi socializar com o pessoal da facú. Ai, que fofo ter essa possibilidade. Beijos.