terça-feira, 29 de setembro de 2009

retratos e canções

Pensou em como poderia terminar com aquilo. Aquilo já durava alguns anos, não sabia exatamente quantos meses, dias, etc, porque não tinham uma data.
É, não tinham uma data. Os românticos podem discordar, mas não ter uma data era uma vantagem, desde o princípio. Não ter uma data podia ser um sintoma da coisa toda, mas pensava que essa coisa de data é uma forma de distração e mais importante para o comércio que para o casal. Achava ótimo não ter essa data.
Não tinha também fotos dos dois. Algumas fotos de um ou de outro e só. Teve uma vez uma foto de um sexo oral, mas numa das idas a foto oral se foi. A questão da foto se mostrou um pouco mais complexa, queria umas fotos agora. Fotos dos dois se beijando, tiradas com aquele braço esticado que quase aparece e estraga a beleza da cena. Não tinha nenhuma foto que pudesse ainda ser rasgada e jogada na água corrente. Rasgar umas fotos seria terapêutico além de marcar um fim. Imaginava porta-retratos com fotos de momentos românticos (vinho no parque), ou momentos de intimidade (com o olho cheio de remela), e como seria simbólico poder quebrá-los todos. A coisa da foto era uma falha, pelo menos agora, no final.
Por outro lado, podia comemorar o fato de não terem uma música. A ausência de uma música ou muitas músicas tema era coincidência, não estava articulada com algum princípio ético. Nada contra músicas tema. Bom, talvez não fosse coincidência. Pensava agora que não valorizava devidamente essas distrações próprias de casais. Coisinhas que dão o que pensar enquanto se suporta as violências e o tédio. Ouvir a música e pensar no outro, ou ouvir a música juntos e saber que o outro está pensando o mesmo que você, ou quase. Será? Uma vez deu um CD de presente, outras vezes compraram CDs juntos, mesmo esses CDs não renderam músicas "do" casal.
Como terminar tudo? Não haviam fotos a serem rasgadas, nem músicas pra ouvir e chorar, nem datas a serem esquecidas. Os rituais todos devem ter uma função, vai ver é isso, facilitam na hora de terminar. Quem segue os rituais deve saber o que fazer. Quem assina um contrato pode rompê-lo. Quem tira as fotos pode rasgá-las, quem troca presentes pode devolvê-los, quem tem música tema pode ouvir e chorar o fim.
Não tinha nada pra se segurar. Talvez tivesse sido tudo muito árido, muito direto. O fim, dessa perspectiva, ficava mais difícil do que imaginava. Fim e o quê? Depois do fim o quê? Nada pra rasgar, nada pra ouvir, nada
Talvez fosse melhor não ritualizar esse fim, não torná-lo um evento. Talvez pudesse esperar acabar, sem data definida, sem justificativas e culpas. Esperar, acabar, esperar

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