segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Anarquistas da boca pra fora

Tem algumas questões que de tão discutidas tornam-se bobagem e a gente pensa que não vale a pena discutir. Pensamos que os desdobramentos da discussão são óbvios e que não há necessidade de retomá-la.
Pois às vezes, mais frequentemente do que gostaríamos, nos pegamos travando discussões sobre coisas que deveriam estar claras.
A questão da forma e do conteúdo, por exemplo, não está claro que a forma veicula um conteúdo em si mesma? Não está claro que as opções formais devem ser feitas de modo que não difiram do conteúdo, ou do discurso pretendido? Por outro lado, é possível que a forma coloque o conteúdo em questão ou vice-versa, é possível brincar com essas estruturas, mas isso deve ser consciente. Do contrário, o que observamos é uma confusão pura e simples, no mal sentido.
Em arte, os artistas costumam criar, a criação sempre vem embalada ou até mesmo motivada por uma forma. Sem estabelecer aqui um caminho ideal pra criação, vamos considerar que a questão formal está implicada na criação de modo geral.
Outra questão importante, a meu ver, é como se dá o processo criativo. Existem muitas formas de trabalho e os artistas vão se afinando ao longo da sua experiência com procedimentos que lhe interessam. Na minha opinião, o modo como se dá o processo criativo é fundamental para o resultado final da obra. Acho que o modo está impresso de alguma forma na obra e que é possível verificar qualidades diferentes, segundo um ou outros modos de criar.
Outra questão que vou levantar nesse discurso um tanto caótico é a questão da anarquia. Ao que me consta, a anarquia não admite formas de poder. Sei que existem divergências entre os anarquistas, mas de modo geral, posso dizer que a anarquia não é uma forma de organização do poder. Mesmo o anarquista mais reacionário ou defeituoso, deve concordar comigo que um homem não deve exercer seu poder sobre outros.
Vou construir uma hipótese pra me aproximar da discussão que pretendo levantar: Se quero construir um espetáculo que questione as formas de poder, uma vez que sou anarquista e considero essencial tocar nesse assunto, como devo proceder?
Eu procederia da seguinte forma: primeiro, definiria um modo de criação que esteja de acordo com minhas crenças anarquistas, posso falar em um modo coletivo de criação, por exemplo. Segundo, pensaria numa forma que colocasse as questões importantes, seja uma forma extremamente rígida que refletisse o poder que estou questionando, ou uma forma bastante aberta que apresentasse minha percepção sobre a questão do poder, ou ainda, uma mescla dessas formas que evidenciasse o discurso. Por último pensaria na dramaturgia, que deveria se construir no processo criativo, mas que poderia ter um acabamento mais pro final do processo.
Essas tentativas de pensar um modo de criação a partir dos pressupostos apresentados, são uma brincadeira. Mas são uma brincadeira conceitual, os fins e os meios estão ligados de uma forma particular. Nessa brincadeira construí um modo de criação, mais ou menos definido, orientado pelos meus objetivos.
Agora vamos pensar em outros procedimentos: Primeiro eu defino meus objetivos e a partir daí crio uma dramaturgia. Segundo, digo ao meu grupo o que cada um deve fazer. Por fim, a forma vai se construindo a medida que as dificuldades do elenco em lidar com minha proposta surgem.
Não tenho como garantir que um ou outro modo de fazer garantam um espetáculo agradável de assistir. Mas sem dúvida o primeiro modo de fazer é mais coerente com o próprio fazer artístico, com o discurso pretendido, com questões que já são pensadas na criação contemporânea, etc... O segundo modo me parece amador, vai por tentativa e erro e se baseia em procedimentos conhecidos historicamente e na sorte.
Porque trazer essas discussões pra esse espaço? Porque essas questões sempre permeiam meus pensamentos e às vezes eu me pego com a necessidade de discutir coisas que parecem óbvias, pelo menos pra quem pensa a arte. Não adianta dar murro em ponta de faca, teimar, adular, chantagear, etc... o que adianta é afinar seus propósitos aos meios.

Um comentário:

daniel disse...

ó, tô com saudade da sua forma e fo seu conteúdo