sexta-feira, 23 de julho de 2010

um café

agora que tomava café sentia ele descendo pela garganta, quentinho. Só isso e já se desenhava em sua mente o dentro do corpo. Mais cedo, no almoço, tinha sentido a comida ir da boca para os tubos que precediam o estômago, chegando nele a comida quase caía no lugar vazio, parecia que boiava. Ninguém acreditava que conseguia sentir o trajeto da comida, mas sentia. Não queria ignorar o que acontecia lá dentro, queria sentir a comida mesmo que estivesse enjoada e ouvi-lo. Ouvia e tateava a si por dentro, por fora e entre. Aquele corpo que mostrava seu esforço em engolir, de modo irritante, era ela. Ela mesma sempre demonstrando seus esforços em engolir. Tateava e via seu útero inchado, não usava as mãos ou os olhos, via o de dentro inchado e irritado, talvez cansado. Cutucava as dores nas costas e no pescoço, apertava seus músculos até encontrar saliências e durezas. E aí sim, metia a mão e elas conversavam, a mão e as saliências, horas e horas. As dores de cabeça é que a irritavam, incontroláveis e impossíveis de tocar com as mãos ou pensar. Olhava para si por curiosidade e amor, não por si, mas pela vida que era. E muito dessa vida era fora, quase sempre fora de si. Por isso às vezes ficava quieta e parada, ou quieta e andando e os olhos perdidos nos fundos. Vivia a si mesma, um pouco por dia, quando dava. Às vezes tomando um café

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