segunda-feira, 8 de agosto de 2011

consciência de si - 1,99

Entrei na lojinha porque precisava de alguns badulaques. Fiquei olhando o que ela tinha pra oferecer e acabei me decidindo pelos itens mais necessários e só. Peguei um espremedor de alho e procurava um abridor.

- Moço, tem abridor de lata?
- Tem sim, esse aqui ó.
- Hum... tem aquele outro mais simples, menor?
- Deixa eu ver. Não tem não, já acabou. Mas esse é bem melhor, tem o cabo mais longo e é melhor mesmo.
- Tá bom, então. Vou levar esse, é só passar no caixa?
- É.
- Ah, um espremedor de batatas... Se bem que eu não uso muito.
- Esse aqui é ótimo, é de inox.
- Putz, 19 reais é caro pra amassar as batatas - risos.
- Também tem do outro, desse material mais barato - ele disse isso apontando pro meu espremedor de alho.
- Vamos ver - achei que ele tava me provocando.
- É esse aqui, mas eu pessoalmente não uso isso aí não. Na minha casa eu tenho o outro, de inox.
- Ah, é? Eu não vou levar nenhum dos dois. Não me dedico muito aos utensílios domésticos.
- E o espremedor de alho, vai levar esse aí mesmo?
- Vou ver o outro. De inox, né? que você acha melhor.
- É esse aqui, é bem melhor.
- Ah, tem que ser melhor mesmo. Custa cinco vezes mais. Vou levar o mais pobre mesmo, não espremo tanto alho assim.
- A senhora que sabe - ele fez uma carinha de desdém.

Na fila do caixa fiquei pensando porque ele comprava os itens mais caros, supondo que fosse verdade. Não sou nenhuma rica, pelo contrário. Mas ele também não deve ganhar nenhuma fortuna vendendo itens a partir de 1 real. Um espremedor, mesmo vagabundo, dura alguns anos. Assim como o abridor de latas, só comprei outro porque o primeiro ficou com o ex. Ele continuava me olhando de longe, com aquela cara que estampava um pensamento claro: pobre e ignorante em termos de utensílios. Eu pra me defender, pensava que eu sou uma pseudo-intelectual, recepcionista e atriz. Francamente tenho mais o que me preocupar do que o custo-benefício do espremedor de alho. Nem fico em casa tempo suficiente pra usar o abridor de latas. Além do mais, tenho que investir meu dinheirinho que sobra em livros, os quais não terei tempo suficiente pra ler. Mesmo assim, meus livrinhos me confortam, ah confortam sim. Eles me deixaram mais tranquila em relação ao vendedor e humilhador de donas de casa menos favorecidas. Sou pobre, mas tenho conhecimento, ou pelo menos tenho livros que lerei um dia.

4 comentários:

reflexão disse...

Será mesmo que o mais simples é o vagabundo? Acredito que este vendedor de espremedor de alho não pensou. Só porque é mais caro não significa que é melhor. Promover uma venda humilhando uma pessoa é desumano. Talvez ele não se sinta humano mais. Talvez ele pense que é somente um número. Ser vendedor sem ser mal educado e sem enganar é um grande desafio para esta atividade. E uma coisa é muito clara que estas pessoas não leem. E se leem não deve ser livro de boa qualidade.

flávia coelho disse...

nossa reflexão, que dureza... vai ver o vendedor tava querendo uma comissão melhor pela venda, ou ache realmente que compensa pagar mais por um objeto mais durável. não vamos esquecer também que a mocinha pseudo-intelectual é um pouco metida por isso. bjs

daniel disse...

deve ser tão simples conseguir ir, escolher, comprar e não ficar pensando em tanta coisa. ou não ficar se subjugando a partir da mais banal persuasão de venda.

na teoria, a tendência a simplificar: cacete, é só um espremedor de alho. na prática, o acúmulo, o querer sempre o melhor, as expectativas que se criam até com o vendedor da loja de 1,99.

eu ontem me senti julgado pelo pessoal do supermercado porque eu só pegava produtos da marca própria da rede. depois foi a vez da caixa, que senti me olhar estranho quando quis pagar metade em dinheiro, metade em cartão. o puro creme da conspiração.

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cruzes, certo tava o pessoa, que tinha um caeiro pra aliviar -- muito melhor que rivotril e punhetinha. "o mundo não se fez para pensarmos nele (pensar é estar doente dos olhos)".

flávia coelho disse...

minha riqueza, tão longe e tão perto. eu tb tenho recorrido bastante às marcas das redes.
e tb tenho um heterônimo (ainda sem nome) reclamador pra me aliviar, claro q não to me comparando ao pessoa!