quinta-feira, 12 de novembro de 2009

quando apaga a luz

Quando acaba a luz eu fico ensaiando sobre a cegueira também.
Da segurança de um lar, ouço as reações barulhentas a uma situação estranha. É estranho faltar luz numa cidade como São Paulo. É ainda mais estranho o barulho de vozes humanas, buzinas e sirenes (na verdade as vozes humanas são estranhas). Concluo que é perigoso faltar luz e meu coração dispara ao ouvir vozes vindas do corredor. As vozes estão exaltadas e, da segurança precária do lar, não sei se acontece uma invasão ou se acontece de as pessoas terem de subir de escada para suas casas. Quase de faca em punho, a única arma possível nessa casa, chego à porta e me certifico de que sobem as escadas.
Uso a única tecnologia ainda disponível e ligo pra saber se falta luz em outros pontos, se alguém sabe porque acabou a luz, se está tudo bem. Parece que está tudo bem.
Olho pela janela e os carros estão em conflito explícito com os pedestres e entre si mesmos. As sirenes em conflito com todos. Eu vejo da janela e penso se seria o caso de descer e saber de perto o que acontece na rua, o porquê do tumulto. Penso.

As luzes
Penso que as luzes não são feitas apenas para ver melhor. Penso que às vezes devemos apagar as luzes, desligar os disjuntores e vagar. Vejo pior com tantos refletores no caminho.
Não sei e o não saber é um saber, ou pode ser. Às vezes penso que sei e esse saber me apresenta o caminho. Penso esquecendo o caminho e encontro um outro menos medroso e menos determinado pelas condições de tempo, espaço e iluminação.

As velas
Se acendem depois de muito tempo. A vela é uma luz carregável que ilumina o necessário: o fogão, a mesa, o jantar, o companheiro, o chuveiro. Ilumina algumas janelas lá fora, só algumas. Não dá pra ver o caminho inteiro e tenho que imaginar o resto. Imagino.

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