terça-feira, 24 de julho de 2007

Época de milho

Lembro que tinha a época do milho. Em determinada época do ano a horta se enchia milagrosamente de altos pés de milho e suas bonecas. Pra quem não sabe o que é boneca, são as espigas ainda novas que têm o cabelo comprido e sedoso. Eu amava as bonecas, tinha boneca ruiva, castanha e loira, que eu gostava mais porque combinava com meu cabelo. E minha vó gritando, não arranca todas espigas, menina! Quando a gente já tava enjoando das bonequinhas, era porque estava chegando a hora de colher as espigas e começar uma nova fase. A fase de comer milho.
E tinha milho de tudo que é jeito. Milho assado no fogão de lenha, cozido, refogado, bolo de milho assado na folha de bananeira, curau, pamonha e sei lá mais o quê. Sei que minha vó passava o dia ralando milho pra fazer curau, pamonha e bolo. E não tinha processador não, era ralador mesmo, um que meu avô tinha feito anos atrás, que se pegasse o dedo... ai.
Esse curau que tem no carrinho de milho de rua não tem nada a ver com aquele, feito com milho verde de verdade e leite direto da teta da vaca. Aquele sim era bom, e o cheiro eu nunca vou esquecer. A nata que se formava em cima era motivo de diversão, a gente fazia um buraquinho com a colher e soprava até fazer uma bolha que crescia, crescia... até explodir e sujar a mesa. E minha vó, toma cuidado que tá quente, vão se queimar. Não toma curau quente e água gelada que dá dor de barriga. O resto do curau que a gente não aguentava tomar ia pra geladeira pra endurecer, depois ela cortava em pedaços. Eu nunca comia depois de gelado, só gostava enquanto tava quente.
A gente enchia o saco da vó pra assar uns milhos o dia inteiro, ela sempre ocupada com os afazeres da casa e do milho botava a molecada pra correr, mas depois colocava umas espigas de surpresa na brasa do fogão e chamava a gente quando já tava quase pronto, aí era só passar manteiga e assoprar um pouco pra esfriar, nham nham.
Mas não era só o milho que tinha época, tinha a época da jabuticaba que coincidia com a da pitanga, a época da manga, da goiaba, do abacate e assim por diante. Todas épocas eram boas, quando a gente estava enjoando do milho ele acabava e começava outra época, a da jabuticaba por exemplo. E nós migrávamos da horta e suas bonecas pro poleiro do pé de jaboticaba onde passávamos nossos dias.
Era assim que a gente percebia que o ano estava passando, nossa já chegou a época da manga! Vamos comer manga verde com sal que ela demora muito pra madurar. E a época da manga coincidia com a época do natal em que os leitõezinhos eram o prato principal, eu sofria com os gritos dos pobres animais assassinados e jurava que não ia comer esse ano, mas todo ano eu comia porque sempre adorei um leitão assado.
O tempo passava mas a gente não tinha pressa, aproveitava cada época até enjoar e quando enjoava começava outra.
Hoje tem curau todo dia em qualquer esquina, tem manga no supermercado o ano inteiro, assim como goiaba e tudo o mais. Não sei como fizeram pra acabar com as épocas, mas foi uma pena. Hoje tem tudo que eu gostava o ano inteiro, mas eu não como mais nada. Hoje não vejo mais boneca de milho. Hoje minha vó não levanta mais da cama, nem sabe muito bem em que época estamos. Hoje eu penso que não sei como será ter meus filhos, se o que eu sabia sobre as épocas não vale mais.

5 comentários:

daniel disse...

curau com gosto de naftalina, né não?

Anônimo disse...

Sem querer ser niilista - mas sendo, inevitavelmente - hoje temos época pra tudo. E quem tem tudo tem nada.

flávia coelho disse...

Pois é otavio, falta descobrir o que fazer com esse tudo que temos. Estou tentando. Beijos.

Unknown disse...

tão lindo o texto...

flávia coelho disse...

Obrigada flor, o seu também.
Beijos.