sexta-feira, 27 de julho de 2007

Ela é bamba, ela é bamba...

Olhava aquele conga e pensava, eu quero um bamba. Porque eu sou a menina do conga se eu nasci pra ser bamba? Sabia, no fundo, que tinha muito menos do que merecia. E uma timidez de se saber assim.
Aprendera desde sempre a estar satisfeita com o que tinha. Afinal, comida nunca faltou. Mas conga? Estava sempre ouvindo que não podia ter tudo que queria, o mundo é assim mesmo, é bom você se acostumar. Mas conga? Era mais do que podia aguentar.
Numa das noites em que chorava pelo conga teve uma idéia, uma dessas idéias boas que nos fazem dormir tranquilos. Os dias do conga estavam contados.
No dia seguinte foi feliz e saltitante pra escola, cantando a musiquinha que tinha inventado pra essas ocasiões, eu vou, eu vou, pra escola agora eu vou, parará tim bum, parará tim bum, eu vou, eu vou, eu vou, eu vou... Tinha tudo planejado e a certeza que aquele era o último dia do conga tornava o suplício de usá-lo quase em prazer. O próximo passo era conseguir um bamba.
Durante toda a aula distraía-se com seus planos para o conga, seu futuro com o bamba e sentia que sua vida seria bem mais fácil daquele dia em diante, finalmente ia ter o que merecia. A professora elogiou sua tarefa, parabéns não tem nenhum erro. E ela sentia-se mais que nunca a menina do bamba.
Na hora do recreio comeu a merenda bem rápido e foi pro parquinho, subiu no trepa-trepa que era o seu brinquedo preferido, se perdeu e se achou várias vezes naquele labirinto em que se brincava sozinho. Antes do recreio acabar queria brincar na gangorra, o segundo brinquedo preferido. Encontrou uma colega partidária da gangorra, subiram e desceram e sentiram aquele frio na barriga e riram daquele jeito que se ri quando se sobe e desce na gangorra, riso solto que faz cócegas no nariz. E o sinal tocou porque era hora de voltar pra aula. Voltou correndo pra sala naquela euforia de quem acabou de descer da gangorra. Tinha esquecido do conga.
Enquanto a professora falava sobre o b com a, ba, b com e, be, uma dessas coisas bobas e óbvias ela lembrou-se dos planos. E percebeu sem querer que o conga tinha sido seu companheiro de parquinho pela última vez.
A hora de ir embora se aproximava e a professora c com a, ca, c com e, ce... e ela pensando no que faria com o conga. Seu coração acelerava.
Deu o sinal e todos saíram correndo, menos ela, porque ela carregava o peso da sua resolução. Decisões não são fáceis de tomar, mesmo quando necessárias, além do mais ainda não estava acostumada a decidir nada. Respirou fundo e foi.
Foi embora sozinha, a casa era perto e já aprendera o caminho há um certo tempo. Já tinha tudo tramado, ia abandonar o conga no terreno baldio perto de casa e falar pra mãe que o tinham roubado. O terreno era cheio de mato, ninguém nunca ia descobrir. Estava satisfeita com sua idéia.
Andou os últimos passos do conga até o destino final, apoiou o pé na calçada pra desamarrar o cadarço, puxou o lacinho pronta pra se livrar daquele peso e, e... olhou pra ele e, e... coitado. Não conseguia imaginá-lo ali sozinho, sem um pé pra calçá-lo, no meio do mato, no escuro. Pobre conga, só tinha a ela. Ela não gostava mesmo dele, mas... E o bamba? Enquanto tivesse o conga nunca teria o bamba. Que difícil decidir. Queria o bamba, merecia o bamba, fôra feita para o bamba, optava pelo bamba. Desatou os cadarços e descalçou o conga que ficou lá, murchinho. Correu até em casa, ofegante.
No portão lembrou-se que teria que explicar pra mãe sobre o fim do conga, a mentira estava na ponta da língua. A mãe ia ficar preocupada com o assalto, você está bem, não levaram mais nada? Será que ia acreditar?
Não gostava de mentir e ia se sentir mal se a mãe ficasse preocupada, era assim, sempre culpada. Se a mãe não acreditasse então, ia morrer de vergonha, sem contar que ia ficar de castigo. Pensava olhando o portão fechado. Pensava e pensava e.
Voltou correndo e torcendo pro conga ainda estar lá, de repente parecia que ele ia sumir. Correu o mais rápido possível e quando chegou no terreno baldio viu, com o maior alívio que já tinha sentido, que ele continuava lá. Nem calçou o conga feio, abraçou-o e voltou pra casa descalça e feliz, que afinal não era menina de abandonar o conga assim.
O bamba? Bem, tanta gente tinha um bamba sem merecer e ela sabia que merecia um bamba mais do que ninguém. Enquanto ia pra escola saltitante e cantante pensava nisso e se sentia satisfeita por ter classe de bamba mesmo calçando conga.

3 comentários:

Mariana P. disse...

ai, adorei adorei.

adorei.

flávia coelho disse...

Vc tb é da época do bamba, né?
Bjos.

Cristiane de Paula disse...

...mto bom, além de valer para as barbies tb. Lembra do quichute????