terça-feira, 31 de julho de 2007

Gravíssima

Grave. Ela era sempre grave.
E gostava assim, achava que dava um ar de mistério, de importância.
Na verdade não sabia que era por isso que gostava, mas gostava.
O máximo de cumplicidade que se conseguia dela era um riso no canto da boca.
Gargalhada, em casa a sós, lembrando alguma passagem engraçada. Só.
Sempre um comentário sarcástico na ponta da língua. Um gosto amargo pelas palavras.
Quando alguém não sabia se ela falava sério ou era ironia, sentia-se melhor.
Irônica. Gostava da palavra.
Agradável mesmo, não era. Mas era bonita.
E sabia que as pessoas bonitas têm um poder que vem exclusivamente da beleza.
Bela e grave. Sarcástica e irônica.
E triste. Quase sempre triste sem saber porquê.
Criava círculos de amigos ao redor, não amava nenhum deles sinceramente. Talvez um ou dois.
Pareciam todos bobos diante de tanta gravidade. Bobos da sua minicôrte.
Viam que ela tinha algo especial, mas ninguém sabia exatamente o quê.
Ninguém conseguia entender o que ela tinha de diferente, será o quê?
Uns cansavam desse mistério outros se encantavam e a turba de bobos estava em constante mudança.
Ela permanecia igual, grave. Cheia de uma importância que ninguém sabia de onde vinha.
Mas aconteceu que um dia começou a ficar feia, não se sabe porquê.
Talvez fosse a pele, o cabelo, talvez os olhos, talvez fosse o tempo.
O certo é que ela ficou feia e só. Porque gravidade sem beleza não tem mistério algum. Os bobos encontraram pessoas mais irônicas, sarcásticas e bonitas pra seguir.

Enfim aconteceu o que ela temeu a vida toda.
O mistério acabou e ela era simplesmente feia e triste.

4 comentários:

Unknown disse...

e o que sustenta as coisas quando a beleza e o mistério acabam?
engraçado... eu tava pensando nisso durante a madrugada insone.

flávia coelho disse...

então menina, tenho pra mim que beleza e mistério são qualidades externas e o que fica qdo acaba são as coisas mais internas.
e se a gente compartilhar nosso mundo interno, por mais louco que seja, as amizades e alegrias serão mais duradouras.
é óbvio, mas tem gente que esquece.

Unknown disse...

as vezes eu compartilho demais e depois fico com medo.

flávia coelho disse...

E quem não tem?