Talvez vocês não acreditem no que eu vou dizer agora. Eu vi o fantasma do meu pai ontem a noite. Ele se chamava Hamlet e era o rei. Engraçado é que eu fiquei pensando se na verdade o fantasma era eu. Não, eu sou um príncipe apenas. Eu sou o príncipe Hamlet, prazer.
O fantasma do meu pai me contou sobre o seu próprio assassinato e pediu vingança. Eu vingo, eu vingarei, meu pai. Engraçado que eu achei que o fantasma era eu, no escuro até que parecia. Pai, paizinho, é comum isso de os reis serem assassinados, são os ossos do ofício. O trono é uma coisa que só muda de dono com a morte, por isso os reis morrem.
Eu não, ainda não sou rei. Normalmente quem assume o trono é o assassino, não é assim? Normalmente o assassino é da família, não é? Papai, isso é tão comum entre os reis. Quer mesmo essa vingança? afinal o assassino é seu irmão e eu também posso morrer.
Eu mesmo duvido do que vi e ouvi, vingança? Parece absurdo e, num certo momento, eu realmente achei que o fantasma era eu.
sexta-feira, 9 de setembro de 2011
terça-feira, 6 de setembro de 2011
nada a fazer
a fonte seca
a palavra esvazia
o peito suspira uma última
o estômago se revira e na cabeça vêm tantas outras coisas
vem a conta de luz, o livro não lido
vem uma notícia trágica que revela um mal social
vem um aperto de mãos sincero
vem a incontável distância
(em algum momento a distância se tornou intransponível)
vêm as justificativas falsas e os farrapos
de um tecido que um dia teve cor
o leite secou
a saliva e o choro
estômago e olhos revirados são sintomas fatais de morte
lenta
len ta
len ta mente conquistada a duras penas
difíceis de arrancar da pele esturricada
do corpo machucado pelo deserto prolongado
não há mais nada a fazer doutor
o plano de saúde não cobre nem reembolsa
e a paciente não responde aos estímulos
nenhuma reação motora
a palavra esvazia
o peito suspira uma última
o estômago se revira e na cabeça vêm tantas outras coisas
vem a conta de luz, o livro não lido
vem uma notícia trágica que revela um mal social
vem um aperto de mãos sincero
vem a incontável distância
(em algum momento a distância se tornou intransponível)
vêm as justificativas falsas e os farrapos
de um tecido que um dia teve cor
o leite secou
a saliva e o choro
estômago e olhos revirados são sintomas fatais de morte
lenta
len ta
len ta mente conquistada a duras penas
difíceis de arrancar da pele esturricada
do corpo machucado pelo deserto prolongado
não há mais nada a fazer doutor
o plano de saúde não cobre nem reembolsa
e a paciente não responde aos estímulos
nenhuma reação motora
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
pesadelo de amor
por absoluta falta de tempo pra lidar com aquilo, colocou o bebê recém nascido em uma caixinha e guardou ali perto da cama. colocou fraldinha e alimentou o bebê como ele precisava. aconteceu que esqueceu ele ali durante muito tempo, pior que não sabia contar quanto. quando lembrou ficou com medo de olhar e ver o que tinha acontecido. mesmo assim abriu a tampa e viu que ele tinha crescido um pouco. a fralda estava encharcada e ele chorou. de repente lembrou como as crianças precisavam do contato com a mãe pra se desenvolver. ela tinha prejudicado seu bebê, mas era por falta de tempo. ela não queria ele agora, não tinha tempo. mesmo assim pegou ele no colo e viu que tinha um rabo comprido. ele se aninhou e ela se emocionou por ele estar vivo, se mexendo nos seus braços. acariciou o rabinho, as pernas finas e abraçou ele com amor. na verdade sentia amor por ele, com ele no seu colo pôde perceber o quanto. sentiu uma dor muito forte por ter deixado ele lá na caixa, não sabia porque tinha feito isso. achou que seria igual continuar no útero, como se dissesse: agora eu não posso cuidar de você, espera mais alguns meses aí na caixinha. mas o bebê não podia esperar, ele já estava vivo. apesar de tudo, o filho perdoou seu desleixo, mexeu o rabinho e ela viu que ele também amava.
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
ofélia
era uma vez uma linda princesa que se chamava ofélia. na verdade ela ainda não era princesa, mas o príncipe era a fim dela. ela era jovem e recatada, enquanto o príncipe era estudado e ousado. a jovem ofélia tinha que se preservar, pois segundo o seu pai, o príncipe só queria comer a sua bacurinha. a futura princesa ofélia lembrava dos presentes e das mãos do esperto príncipe com alegria e corava. torcia as mãozinhas e olhava pra baixo quando o pai lhe perguntava. papai, o príncipe tem demonstrado seus sentimentos com muito respeito e faz juras de amor eterno. sei! dizia o pai da ofélia. filha, você não pode se entregar aos prazeres da carne. o príncipe pode tudo, porque é príncipe. você precisa se guardar e arrumar um marido que te sustente, porque eu não vou durar pra sempre. sim papai, eu sei, eu sei. vou apagar meu fogo e procurar um marido mais sossegado, do meu nível social. e ofélia continuava sonhando e querendo o príncipe, porque todas queriam o príncipe. ela tinha sido escolhida por ele, ele realmente levava presentes e gostava da pele branca dela. como recusar o príncipe? o príncipe podia tudo. era o que ela dizia quando ninguém estava por perto. posso colocar minha mão aqui, ofélia? você é meu príncipe e eu sou sua serva. um dia será meu rei, faça o que quiser por favor.
um belo dia o príncipe deixou de comparecer e ofélia murchou. talvez ele estivesse maluco, era o que se dizia. o príncipe não dizia mais coisa com coisa, mandou ela se casar com outro. pra piorar a situação, o príncipe matou o pai da ofélia sem querer. ele era um príncipe e podia tudo. ofélia ficou sem o pai, sem o príncipe e sem marido. aí começou a falar o que passava pela sua cabeça, usava as roupas que bem entendia e cantava. começaram a dizer que ela também estava louca, um surto de loucuras. ofélia não parecia mais tão pura e usava expressões vulgares. o príncipe podia tudo, a rainha podia tudo e o rei também. mas ofélia não era princesa ainda, ela cantava e colhia flores. passou a ser tolerada como uma débil e frágil moça perdida, uma espécie acidente. por fim, numa reviravolta trágica, a bela e jovem ofélia se afogou no lago. livrou-se de uma vez da culpa, do desejo, da saudade do príncipe e da piedade de todos. a suicida foi sepultada no cemitério mesmo, como se isso fizesse alguma diferença pra sua carne podre. o príncipe, dado a tragédias e paixões de modo geral, pirou com a morte da ofélia. saltou sobre o caixão da menina e duelou com o irmão dela ali mesmo. ele podia tudo.
ofélia só podia morrer ou ir pra um convento, mergulhar foi uma aventura.
um belo dia o príncipe deixou de comparecer e ofélia murchou. talvez ele estivesse maluco, era o que se dizia. o príncipe não dizia mais coisa com coisa, mandou ela se casar com outro. pra piorar a situação, o príncipe matou o pai da ofélia sem querer. ele era um príncipe e podia tudo. ofélia ficou sem o pai, sem o príncipe e sem marido. aí começou a falar o que passava pela sua cabeça, usava as roupas que bem entendia e cantava. começaram a dizer que ela também estava louca, um surto de loucuras. ofélia não parecia mais tão pura e usava expressões vulgares. o príncipe podia tudo, a rainha podia tudo e o rei também. mas ofélia não era princesa ainda, ela cantava e colhia flores. passou a ser tolerada como uma débil e frágil moça perdida, uma espécie acidente. por fim, numa reviravolta trágica, a bela e jovem ofélia se afogou no lago. livrou-se de uma vez da culpa, do desejo, da saudade do príncipe e da piedade de todos. a suicida foi sepultada no cemitério mesmo, como se isso fizesse alguma diferença pra sua carne podre. o príncipe, dado a tragédias e paixões de modo geral, pirou com a morte da ofélia. saltou sobre o caixão da menina e duelou com o irmão dela ali mesmo. ele podia tudo.
ofélia só podia morrer ou ir pra um convento, mergulhar foi uma aventura.
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