segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O poço

Era fundo, tão fundo que não se via o quanto. Quando se olhava da beira para dentro era um ímpeto. Era vazio e frio, mas no fundo não dava pra saber o que era. O fundo parecia quente.
Jogou um dia uma moeda - quero conhecer o fundo.
Nada. O buraco continuava gelado.
Então, jogou no poço um espelho. Era tão fundo que não viu quando o espelho chegou ao fundo. Silêncio.
Seguiu chorando. Aquele escuro era uma ausência insuportável.
Imune àquela escuridão, ou, por outro lado, interessada justamente por ela resolveu que ia conhecer o fundo de qualquer jeito.
Olhava sempre pra ele e procurava um brilho qualquer.
Talvez de tanto olhar, um dia viu uma luz lá embaixo. De cima era frio e escuro como sempre, mas viu um brilho e teve certeza que no fundo era quente.
Ficou olhando hipnotizada para a luzinha trêmula. Lembrou que tinha jogado um espelho lá, a luz devia ser o reflexo. Mesmo assim, via a luz como um sinal.
Falou com ele pela primeira vez. Falava baixo porque sabia que ele podia entendê-la.
Não pedia nada, não jogou nenhuma moeda, nada. Só falava e sentia que no fundo ele entendia.
Ela ouvia o eco da própria voz e tentava se conter. Ele ouvia.
O seu silêncio reverberava, o escuro era frio e o fundo era quente. Era o que ele dizia - silêncio, escuro e fundo. Ela entendia, como entendia!
E voltou muitas vezes, horas e dias sentindo o bafo frio que vinha dele e o silêncio. Ele era profundo demais.
Ela suspirava e até chorava quando pensava no seu profundo silêncio. Comovia-se com o silêncio e a escuridão que eram essenciais nele. Amava, enfim.
De repente decidiu que era o momento de descobrir o que escondia a escuridão e o silêncio. A luzinha continuava lá, dias mais forte, dias mais fraca, às vezes quase nada. Mas a luz continuava lá, era o sinal? Quando se olhava da beira para dentro era um ímpeto.
Mergulhou no frio escuro, olhou pra baixo e mais uma vez teve certeza que no fundo era quentinho.
Caiu por muito tempo, lá dentro era frio e escuro como parecia e não via nada.
Chorava porque tinha certeza que no fundo era quente, sentia o hálito e tinha certeza.
Quando finalmente chegou ao fundo estava quentinho. Chorava, mergulhava com gosto e não queria mais nada.
Encontrou no fundo sua moeda e o espelho, eles ainda estavam lá. Nadou durante horas, nunca tinha sido tão feliz.
Estava tão alegre que não percebeu que ficou gelado, quando percebeu já estava.
Tremia, os dentes batiam uns contra os outros.
Não entendia, falou. Nenhuma resposta, a profundidade de sempre.
Ela falou em quanto tempo tinha caído poço adentro e no quanto tinha chorado de alegria.
Ele permaneceu em silêncio.
Só aí ela entendeu que as suas lágrimas é que eram quentes.

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